Bastaram umas horas de amigável convívio num daquele almoços de curso de Faculdade, para me aperceber do tom entusiasmado, quase comparado à excitação de um adolescente perante a play station, com que a geração  já bem madura lá presente abordava o tema das plataformas tipo ChatGPT ligadas à inteligência artificial (IA).

Rogavam-se pragas às questões/perguntas não respondidas, e a todo um conjunto de imperfeições, mas contudo subsistia um certo ar de fascínio com a convicção de que, com o andar apressado do tempo, todo este instrumental ocupará uma posição cimeira no quotidiano. Estaremos nós, e em particular os principais agentes políticos, empresariais e culturais, suficientemente preparados para encarar uma reflexão consistente sobre as consequências de todo um novo contexto?

Tratando-se de um convívio de antigos colegas de Faculdade, é natural que se relevasse as “facilidades” de que os alunos passarão a dispor na elaboração de trabalhos (individuais ou de grupo), e mesmo de teses de mestrado e doutoramento. Pois não é verdade que podem passar, vai plataformas de IA, a dispor de textos mais ou menos estruturados, selecionadas que estejam determinadas temáticas…?

Perigoso, dirão uns, porque não se sabe de facto o que advém do esforço e criatividade do aluno, e mais perigoso ainda quando as provas de avaliação se resumem a uma prova escrita. Superável, afirmavam muitos – com razão –, advogando aquilo que pode ser considerado um “retrocesso” face à evolução recente dos modelos de avaliação, ou seja, para todas as cadeiras existiria obrigatoriamente uma prova complementar oral, fosse qual fosse a nota positiva obtida na prova escrita.

Com efeito, já vamos assistindo nos planos metodológicos atuais de algumas instituições de ensino superior (para já) a uma prioridade dada à defesa oral dos argumentos por parte dos alunos, em detrimento de perdas excessivas de tempo na leitura e avaliação do trabalho escrito apresentado. Será inevitável esse caminho!

Questão que se põe também é a da originalidade dos muitos e muitos artigos de opinião que proliferam por toda a comunicação social, indiciando a necessidade, creio eu, de um reforçado papel de analistas ao vivo nas televisões, dos podcasts, das entrevistas e debates presenciais ou online, etc. Haverá, pois, também neste domínio específico algo a reajustar.

No fundo, como sistema computacional que é a inteligência artificial, esta traduz-se na capacidade  de processar dados e automatizar tarefas mais ou menos repetitivas, assim economizando tempo e esforço de equipas de trabalho, bem como reduzindo chances de falhas e outros riscos. Diversos problemas poderão ser resolvidos até de uma forma inovadora.

Claro que a IA até pode dar bons conselhos, mas não resolve “tudo” e pode mesmo ser usada para fins menos éticos e menos recomendáveis. As capacidades de exploração irão com certeza progredir ao longo do tempo. Mas entra aqui – neste meu raciocínio vertido em texto – a necessidade de abordar uma outra perspectiva. E faço-o relembrando as insistentes referências que um administrador (aliás, um poderoso ex-ministro de um governo já distante) de um importante grupo empresarial fazia, aquando do processo de avaliação dos seus quadros diretivos.

E elas apontavam para uma diversidade de importantes itens (muitos deles mensuráveis), mas sempre com um desabafo que, no âmbito das valências a avaliar, havia uma decisiva que se lhe afigurava cada vez mais escassa: nem mais, nem menos que o bom senso nos comportamentos e decisões humanas. E o que é um facto é que a IA sabe, sobretudo, lidar com problemas específicos (mesmo complexos) em contraste com o senso comum, que é vago e não pode ser enquadrado num conjunto de regras algo rígidas.

Realmente, o bom senso não é mais do que uma capacidade intuitiva de distinguir a melhor conduta em diferentes situações específicas. É, portanto, altura de questionar: sendo a IA projetada para lidar com problemas altamente específicos, se cabe nela o “atributo” do bom senso, naturalmente vago e não enquadrado… E então questionei diretamente estas temáticas no ChatGPT, a título de curiosidade.

As respostas obtidas foram, para já, esclarecedoras e apaziguadoras, como se depreende das seguintes frases extraídas: “… no entanto, os pesquisadores da IA não têm tido sucesso em dar aos agentes inteligentes o conhecimento do bom senso que precisam para reflectir sobre o mundo”. E como complemento: “é difícil prever quando a IA incorporará o bom senso em geral”.

Apesar dos esforços dos tais “pesquisadores”, é mais do que certo que terá ainda de decorrer muito tempo, para não nos tornarmos, no limite, mais máquinas que seres humanos. Mas, entretanto, se essa demora é, a meu ver, reconfortante, valha a verdade que se diga que pelo mundo fora – e também entre nós, obviamente – grassa vezes demais uma falta de bom senso. É de facto um bem escasso, conforme dizia tranquilamente o tal administrador que acima referi.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.