A taxa de inflação em geral dá sinais por todo o lado de algum abrandamento na sequência da política monetária restritiva assumida pelos bancos centrais. Mas mantém-se ainda significativamente “fora de controlo” situação que potencia a continuação da subida das taxas de juro de referência na expectativa de lá para os finais de 2024 e início de 2025 a “casa possa estar arrumada!
Entretanto, como os níveis salariais não acompanham em regra o aumento dos preços, subsiste um clima deprimente de perda do poder de compra real com o consequente aperto na vida dos cidadãos, em particular dos mais vulneráveis e mesmo da frágil classe média que temos.
Sendo a inflação um fenómeno que suscita e se auto alimenta dum contágio quase generalizado, há que relevar o que muitas análises de teor mais técnico vão denunciando. Ou seja, que a persistência do ritmo inflacionista radica entre as margens de lucros extraordinários das empresas (à custa do aumento das margens brutas) e as inevitáveis pressões para aumento de salários (para repor algum poder de compra) a que em breve vamos começar a assistir com maior amplitude.
E assim questiono, no âmbito do nosso frágil tecido empresarial dominado por micro e pequenas empresas, quantas empresas temos que podem gerar os tais “indecorosos” lucros extraordinários (não discuto o peso individual de algumas delas, mas sim o seu peso conjunto) e quantas pequenas e médias empresas aguentarão subidas justas de salários para repor ou mitigar as deficientes condições de vida dos seus trabalhadores? E a resposta enquadra-se, à primeira vista, num quadro bem pouco motivador!
É neste contexto que, num período pré-férias, tomei a iniciativa de fazer alguns contactos com empresas médias, mais focadas na indústria, contactos estes proporcionados por uma vida profissional em interação com eles… E deparo com afirmações/reflexões que vão no sentido das empresas se terem vindo a aguentar em períodos recentes bem adversos, independentemente da intervenção do Governo, exigindo em consequência que o Governo valorize mais calorosamente todo o esforço da iniciativa empresarial.
Reconhecem, os empresários contactados, que o Estado – e neste caso o atual Governo – concretizou ajudas relevantes, por exemplo, na mitigação do impacto dos custos energéticos, designadamente nos sectores mais intensivos no consumo energético.
Reconhecem mesmo diversos tipos de apoios pontuais que nunca podem deixar de ser bem-vindos. Mas insistem que o Governo deve criar condições para melhorar os custos do contexto, seja na carga fiscal, na burocracia, no sistema de justiça, etc.. E também posso inferir, interiorizam uma atitude de uma certa hostilidade do Governo face à iniciativa privada – é preciso dizer claramente que o lucro não é pecado, referem – traduzida nalgum condicionamento ideológico e numa certa forma de não proximidade, designadamente quanto à falta do lado da máquina do Estado de interlocutores que melhor entendam a vida empresarial e dos negócios em geral.
Mas, no fundo, a interpretação que fiz contempla a existência dum clima de desconfiança. Como aliás parece ser comprovado com a indicativa previsível inoperacionalidade, por exemplo, nos acordos de médio prazo já assinados – em matéria salarial, da competitividade e produtividades –, entre os parceiros da concertação social. A ver vamos!
As empresas parecem, pois, contar mais consigo – o que aliás não é mau sinal –, ou seja com o seu saber de experiência feito mas esbarram – segundo as informações recolhidas – com os males endógenos de que padecem, designadamente o seu subdimensionamento, a falta de liderança e de visão estratégica, uma certa resignação , em suma um mero espírito de sobrevivência de negócio do tipo familiar cuja continuidade há que sobretudo tentar preservar!
Ora, este “estado de alma” não potencia o lançamento de rampas de inovação, de acréscimo de produtividade, de maior valor acrescentado por exemplo nas exportações (menor dependência de marcas estrangeiras) e, logo, a contratação de níveis salariais condignos, cuja consecução Portugal necessita para ser de facto competitivo.
E nem o PRR parece vir a ajudar, já que claramente parece estar mais vocacionado para superar falhas de investimento público, e logo não virá a ter o impacto publicamente alardeado junto da iniciativa empresarial através dos programas/agendas mobilizadoras para a inovação, a que algumas empresas concorreram e outras nem sequer o tentaram com receio de se meterem em “trapalhadas” futuras. Uma lógica do Portugal dos pequeninos, lamento concluir, mas é o que fui ouvindo.
No fundo, um ADN de andar mais atrás dos acontecimentos, sendo que haverá sempre, a nível empresarial, boas excepções – talvez a maior ritmo, até – mas num contexto dum frágil tecido empresarial “uma andorinha não faz a primavera”.
Todas estas “sensibilidades” que fui retirando de meras conversas informais não apagam, contudo, o muito que já se fez ao longo do tempo em matéria de modernização do tecido industrial e da economia portuguesa em geral. Mas falta bastante, convenhamos.
Em suma, estamos num ponto em que, com esforço, a conjuntura empresarial se vai aguentando, mas nota-se que falta um élan propulsor concreto do desenvolvimento sustentado, da parte do Governo, da Oposição (demasiado tacticista) e também dos próprios agentes empresariais. E é isto que suscita bastantes preocupações na interpretação que fiz dos contactos realizados…
Posso mesmo inferir do que ouvi a necessidade dum “choque” ponderado a nível geral, político e empresarial, sabendo-se posteriormente lidar com as turbulências e resistências que algumas rupturas sempre provocarão. A bem da fuga à mediocridade, referem mesmo algumas empresas quase que numa lógica de autocrítica! Permito-me, no entanto, concluir que não desistam os empresários de aproveitar o possível do PRR, do PT20 (em fase final) e do subsequente PT30!
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.