Portugal continua com falta de cultura democrática, visível na forma como os abusos de poder são tolerados um pouco por toda a parte, desde o governo ao porteiro, do líder empresarial ao chefe da repartição. Uma das mais terríveis formas desta tolerância passa pelos silêncios: o subordinado que não se atreve a denunciar o chefe; o empresário que evita reclamar da administração pública, com medo de retaliação; etc., etc., etc.
A legislação não ajuda. Como é que pode ser legal um governo poder proibir o parlamento de ouvir alguém essencial para a sua função de fiscalização? Qual é a lógica de o relatório de uma comissão parlamentar de inquérito ser redigido por um deputado da maioria que está a ser avaliada?
Neste caldo de cultura e má legislação, este governo de maioria absoluta tem-se dedicado a instalar uma ditadura, em que não respeita nenhum outro poder de moderação ou fiscalização, para além de se poder duvidar da sua relação com outros.
O Presidente da República deu fortes indicações de que João Galamba deveria ser afastado do executivo e o primeiro-ministro recusou, sem uma única boa razão, desrespeitando o órgão político máximo.
No parlamento, sistematicamente não responde às perguntas dos deputados, em total desrespeito pelo hemiciclo e o presidente desta instituição nunca se insurge contra estas sucessivas afrontas.
A comunicação social continua com enormes fragilidades económicas e a discricionariedade dos apoios estatais concedidos só pode lançar as maiores suspeitas. Era importante que a Assembleia da República reivindicasse um papel mais activo nesta matéria.
O circo montado pelo Ministério Público em torno de um ex-líder partidário da oposição, cujos vários absurdos já foram desmontados noutros locais, legitima também grandes suspeitas.
Se é evidente que há um problema – gravíssimo – com as pessoas concretas que hoje ocupam o poder, tem que se reconhecer que a legislação também permite muitos dos actuais abusos, pelo que é a própria lei que precisa de ser tornada mais exigente, coisa que não parece que a oposição tenha percebido. As propostas de reforma como grande probabilidade não serão aprovadas imediatamente, mas a mensagem política ficará.
P.S. Convinha que a direita portuguesa aprendesse a lição espanhola de que não basta esperar que o governo caia de podre, é mesmo importante fazer o trabalho de casa, e ontem já era tarde.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.