A recuperação do emprego na Europa é frágil, especialmente nos países do Sul onde a maioria dos postos de trabalho criados são empregos de curta duração, explica Juan J. Dolado, professor de Economia no Instituto Universitário Europeu. O economista especialista em economia do trabalho e que, entre 2003 e 2010, foi membro do Grupo de Análise de Política Económica (GEPA) na Comissão Europeia, irá estar em setembro em Lisboa para participar na conferência “O trabalho dá que pensar”, organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde irá falar sobre o futuro do Estado Social. Em entrevista ao Jornal Económico, através do Skype, defende a uniformidade da legislação laboral entre contratos sem termo e contratos de curta duração, e propõe um modelo assente no número de anos de trabalho.
O desemprego na Europa tem vindo a diminuir depois da crise económica. Como é que avalia a sustentabilidade desta recuperação?
Esta recuperação tem sido diferente de outras recuperações, especialmente para a zona euro. Não nos podemos esquecer que, noutras alturas, existia um instrumento fundamental para sair da crise que eram as alterações cambiais. Atualmente já não temos a capacidade de alterar a taxa de câmbio para desvalorizar as nossas moedas, tal como aconteceu nos anos 90. A única política numa situação de colapso é a redução da despesa, especialmente a redução de custos no mercado laboral. A atual recuperação é muito vulnerável por dois aspetos. O primeiro é que o crescimento do consumo não é forte como em recuperações anteriores, porque os rendimentos do trabalho estão em declínio. A segunda questão é que em países do Sul, como Portugal, Itália e Espanha, a maioria dos postos de trabalho recentemente criados são empregos de curta duração e com poucas perspetivas de estabilidade. Esta é a razão pela qual o desemprego entre os jovens ainda é elevado, porque existe uma alta rotatividade nos empregos de curta duração. Ao mesmo tempo, em alguns países, especialmente do centro da Europa, tem havido um crescimento de empregos a tempo parcial, já que, para se adaptarem à crise, em vez de reduzirem o número de postos, em muitos casos foi reduzido o tempo de trabalho. Portanto, temos esta dupla vulnerabilidade.
Relativamente ao emprego jovem, no livro “No country for young people” (2015) defende que a resposta passa por reformas em matéria de proteção laboral. Porquê?
Isso refere-se sobretudo aos países do Sul: Portugal, Itália, Espanha, Grécia. Algumas dessas reformas foram parcialmente aplicadas, não completamente, mas parcialmente. A maior parte desses países caraterizavam-se por ter empregos para toda a vida, empregos com menor produtividade. Quando a democracia foi implementada em Portugal e Espanha, nos anos 70, os sindicatos quiseram manter esta alta proteção da legislação laboral e o que acabou por acontecer foi uma segmentação na indústria. Temos um mercado de trabalho em que os pais têm empregos altamente protegidos e os filhos que têm empregos altamente desprotegidos. Isto afeta principalmente os jovens, mas também as mulheres e os imigrantes, que são, no fundo, os grupos com o maior número de empregos precários. Depois, há outro aspeto a considerar: os empregadores não investem porque se trata de trabalhos por curtos períodos. Em alguns países como Portugal e Espanha, os sindicatos protegem os trabalhadores que referia anteriormente e ignoram por completo as necessidades dos jovens e dos trabalhadores precários. Isto resulta numa desigualdade intergeracional, sendo que os jovens têm apenas duas opções – emigrar para países onde essas lacunas não existem ou desmantelar essas leis de proteção. De facto, parte da crise de salários resulta da influência dos sindicatos, que na maioria dos países estão a perder a sua influência.
E que modelo propõe?
A substituição desta realidade passa, por exemplo, por um único contrato em que, basicamente, a proteção do emprego deve aumentar com a idade. À partida, com o avançar da idade, o trabalhador terá mais responsabilidades, terá provavelmente constituído família e ter outro tipo de pressões do que aquelas a que esteve sujeito quando era mais jovem. Acresce que, se um trabalhador esteve 20 anos numa empresa, o que aprendeu, o que deu à empresa, será mais significativo face a um trabalhador que está nessa empresa há dois ou três anos. Ou seja, não deve haver regras diferentes para contratos permanentes ou contratos de curta duração, mas sim as mesmas regras com pequenos aumentos com o passar da idade. E, claro, eliminar o abuso de estágios nos quais as empresas utilizam os jovens de forma excessiva sem que haja uma aprendizagem de facto.
Nesse sentido, será necessária também uma alteração da cultura empresarial?
Sim, as empresas são altamente responsáveis pelo que se passa, mas a verdade é que os incentivos estavam lá… Mas em Portugal, por exemplo, durante a crise, e apesar da resistência dos lóbis domésticos, a troika conseguiu impor algumas medidas.
O atual Governo já deixou cair algumas dessas medidas e a esquerda tem pressionado para mais reversões.
As principais reformas da troika foram as mudanças na contratação coletiva. Penso que foi um pouco ingénuo pensar que os trabalhadores teriam o mesmo poder de negociação enquadrados por um sindicato e negociar individualmente com o empregador. Vimos que não é esse o caso, mas temos que ter cuidado para não voltar à situação anterior. Regressar à legislação laboral anterior será um erro terrível.
De que forma é que os avanços tecnológicos como a inteligência artificial vão mudar o funcionamento do mercado laboral?
A nova vaga de avanço tecnológico, da automação, da inteligência artificial e das plataformas digitais preocupa-nos muito. No entanto, de uma perspetiva histórica esta não é a vaga mais perturbadora. Já vimos tudo isto acontecer e, além disso, não podemos esquecer que a maior parte dos sistemas tecnológicos permite aumentar a produtividade. O problema será sobretudo outro: a distribuição. Algumas pessoas serão extremamente ricas, como os engenheiros, designers, profissionais das áreas científicas ou empreendedores, e depois teremos os trabalhadores com qualificações mais baixas. O meio tenderá a desaparecer. A questão passa, acima de tudo, pela transição. Os empregos estarão lá, mas serão trabalhos completamente diferentes dos atuais.
Isso obriga-nos a mudar a forma como olhamos para o trabalho?
Sim. Para lhe dar um número: atualmente nos EUA, os baby boomers – que nasceram nos anos 50 e 60 – tinham onze empregos durante a vida inteira, enquanto se estima que os millennialsmudem de emprego a cada dois anos. Precisamos de competências diferentes, precisamos ser mais transversais. Antes eram necessárias determinadas competências que acabavam por ser suficientes, mas agora é necessário saber um pouco de tudo. São precisas mais competências de comunicação, de relacionamento… E o sistema educacional tem que mudar radicalmente nesse sentido. O futuro sistema educativo deve criar massa crítica, ensinar as pessoas pensar, a compreender e a pôr em causa, em vez de as formatar apenas para memorizar as coisas. Para isso, é preciso uma resposta conjunta da Europa, para que essa mudança seja levada a cabo.
Como é que olha, então, para o futuro do trabalho na Europa?
Há uma questão que tendemos a ignorar: a sociedade está a envelhecer. O envelhecimento será um tema muito, muito importante. O desemprego vai cair muito porque a população à procura de emprego vai diminuir drasticamente, e as empresas investirão menos em capital porque há menos trabalhadores. Ou seja, o envelhecimento vai no caminho oposto àquele que a tecnologia permite, na medida em que a tecnologia aumenta a produtividade, o envelhecimento reduz a produtividade e as empresas investem menos. Portanto, as pensões serão o grande problema, não o desemprego. Haverá menos trabalhadores e mais aposentados, o que coloca imensos desafios.
Como é que se pode aliviar essa pressão ao nível da Segurança Social?
Sabemos qual é a solução, chama-se imigração. Precisamos realmente de implementar transferências e impostos para ajudar na transição dos imigrantes. O que estamos a fazer atualmente, esta onda anti-imigração, é um erro crasso.
[Artigo publicado originalmente na edição impressa de 17 de agosto do Jornal Económico]
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