“Porque é que as víboras não mordem a advogados? Por cortesia profissional.”

Piadas como esta são frequentes em qualquer almoço que junte gestores e advogados: geram sorrisos, “quebram o gelo” e, invariavelmente, refletem as opiniões negativas que muitos têm dos advogados. É comum ouvir-se, aliás, que os advogados complicam qualquer negócio, usam uma linguagem indecifrável e não acrescentam valor. O que poderá justificar estes palpites?

Comecemos com a “presentiation”. Esta expressão, utilizada por Ian Macneil na sua pesquisa sobre contratos, traduz a capacidade para tornar presentes as contingências futuras. Num mundo caracterizado por incerteza e risco, cabe aos advogados acautelar os interesses dos seus clientes face a circunstâncias que possam vir a ocorrer no futuro mais ou menos próximo.

O exercício desta competência obriga os advogados a porem em cima da mesa vários cenários (como a subida da inflação) que os gestores preferiam não ter de considerar no momento das negociações, o que os leva a dizer que os advogados complicam qualquer negócio. Mas não será esta capacidade de tornar presente o futuro uma das razões para contratar advogados?

Acrescentemos agora a questão da linguagem. Os advogados são treinados no domínio de uma linguagem técnica. Esta integra conceitos jurídicos que correspondem a unidades de informação cultural que são socialmente transmitidas e partilhadas entre um conjunto de pessoas (os “memes” de que fala Simon Deakin). Estes conceitos vão evoluindo ao longo do tempo por adaptação e seleção, e agilizam a comunicação entre os profissionais.

Desta forma, quando os advogados usam conceitos aparentemente impenetráveis (como “perda de chance”), fazem-no porque o entendimento desses conceitos é partilhado entre eles, o que reduz o custo de a cada momento terem de os descodificar. Não será este contributo para a redução de custos uma das razões para contratar advogados?

Por último, temos a questão do valor que os advogados acrescentam (ou não) aos negócios. A este propósito fala-se com frequência dos altos honorários dos advogados, em especial dos que integram as grandes sociedades. Porém, fala-se menos dos serviços que esses honorários remuneram, e que excedem largamente o controlo do cumprimento das normas legais (a dita “compliance”).

Como vários autores têm demonstrado (entre os quais Ronald Gilson e Lisa Bernstein), os advogados atuam como “engenheiros de custos de transação”: no mundo real, onde a informação tem um preço, é imperfeita e não é igual para todos, e onde a perceção dos riscos envolvidos nos negócios não é uniforme, os advogados acrescentam valor ao usarem experiência, tecnologia, contactos e conhecimentos para reduzirem os custos de aceder, verificar e partilhar informação. Não será esta forma de criação de valor uma das razões para contratar advogados?

Piadas e palpites abundam nas relações sociais, mas não estará na altura de estudarmos, com rigor, o papel que os advogados desempenham hoje, em Portugal?