Não há como não concordar! A carga fiscal em Portugal é demasiado elevada – mesmo asfixiante – assim relegando o país para as zonas de menor competitividade fiscal a nível global. É, pois, urgente que a nível das famílias e das empresas se concretize um bem estruturado alívio fiscal, devidamente enquadrado numa perspectiva de médio e longo prazos.
Por onde começar, famílias ou empresas (tidas como motores do crescimento), é alvo de debate macroeconómico e político, afigurando-se que de momento a prioridade parece recair no IRS, atendendo aos baixos rendimentos (salários), situação estrutural entretanto agravada pelo efeito triturador de um ritmo da inflação ainda não superado, pese embora as duras medidas restritivas das autoridades monetárias (Banco Central Europeu).
Contudo, e quanto às empresas, não se pode esperar muito mais tempo no sentido de uma transversal descida do IRC, mas admite-se que no entretanto se verifiquem descidas de tributação em função de critérios de valor acrescentado, localização geográfica, criação de emprego, sustentabilidade ambiental, etc.
Mas voltemos à tributação sobre o rendimento das famílias, que tudo indica vai constituir o ponto forte da discussão política nos próximos meses.
O PSD lança para debate uma proposta de alívio do IRS, ainda neste ano de 2023, à volta de algumas medidas centrais: baixa do montante de IRS até 1200 milhões de euros, focada na classe média; atualização dos escalões do IRS em função da inflação; isenção de IRS e de TSU nos bónus de produtividade até 6% do rendimento anual base; descida significativa do IRS Jovem para efeitos de retenção de talentos e de jovens qualificados em geral.
Entretanto, já se sabia há tempos que o Governo vai propor no Orçamento do Estado para 2024 um pacote de alívio fiscal, designadamente no IRS. Parece, pois, tratar-se (esta antecipação legítima do PSD) de um despique político eleitoralista, do tipo quem é o primeiro a chegar! Mas o Governo e o PS não podem, pura e simplesmente, descredibilizar as propostas do PSD, na medida em que resultam da existência – nos seus cálculos – de uma significativa folga fiscal face ao orçamentado, que se propõe parcialmente devolver até final do ano em curso.
É claro que primeiro se terá que debater – com seriedade democrática – o valor da folga existente (já que foram atribuídos ao longo do ano diversos apoios às populações mais desfavorecidas para fazer face à adversidade da conjuntura, para além da inflação também condicionar o aumento da despesa pública) e depois discutir se se deve dar um sinal, desde já para um alivio do IRS, ou para avaliar a existência de situações económicas débeis de certos segmentos, e por eles fazer distribuir apoios até ao final do ano.
A título de preferência pessoal, opto por descidas de teor transversal no nível de IRS, mas compreendo bem a opção de, pontualmente, até final do ano, se distribuírem certos apoios a quem mais necessita, pois para mim trata-se de termos uma sociedade civil menos dependente diretamente do Estado.
São opções políticas perfeitamente legítimas e exequíveis, sendo certo que um alívio sistematizado dos impostos tem que, pelo menos obrigatoriamente, começar a ser encarado desde logo no Orçamento para 2024, numa lógica de reformulação consistente do sistema fiscal a médio e longo prazos (ainda que começando pelo imposto que mais pesa, que é o IRS).
No fundo, o que estará em debate no imediato é se o excedente fiscal arrecadado pelo Estado face ao ritmo inflacionista dos últimos tempos deve ser devolvido em boa parte (o limite do PSD é até 1200 milhões) ou ainda é tempo, porque necessária, a locação de excedentes fiscais à redução do peso da dívida pública no PIB, também ela uma questão-chave para a sustentabilidade da economia portuguesa.
Aliás, é o próprio PSD a reconhecer a magnitude do problema das contas certas, já que avança neste pacote com uma proposta para anos futuros, na qual competiria à Assembleia da República autorizar a locação de eventuais excessos fiscais à despesa do ano em curso, sendo certo que se vai registando um abrandamento consistente da inflação, causa relevante do nível das receitas cobradas.
Em suma, quer PSD quer PS (presumo) assumem o alívio fiscal como prioritário no IRS, ainda que desfasado no tempo, para mim mais por razões de luta política eleitoralista do que por razões de fundo que me parecem inquestionáveis.
Estou certo de que uma grande maioria da população não põe em causa o sistema de progressividade dos impostos, em contraposição a uma visão liberal da “flat tax”, ou seja, uma taxa única independentemente dos escalões de rendimento, que a meu ver no imediato não acautela a necessária capacidade do Estado para apoiar situações socialmente mais vulneráveis. Nem talvez mesmo se ponha em causa o valor das taxas de imposto, quando comparadas com outros países.
O que releva, sim, tendo também em conta o fraco nível médio do rendimento dos portugueses, é que as taxas mais altas começam a ser aplicadas a escalões de rendimento demasiado baixos abrangendo a generalidade da classe média, agente mobilizador de toda e qualquer sociedade democrática. Claro que tem sido assim que se conseguem receitas fiscais que suportam a despesa pública, mas em nome da sanidade da economia não dá para aguentar muito mais tempo.
Assuma-se, de uma vez por todas, que é a despesa pública quem determina o valor das receitas fiscais a cobrar. E, neste domínio, haverá que estruturar um bem fundamentado plano de corte de despesas, muitas delas originadas pela burocracia e pelos deficientes sistemas de liderança e avaliação dos agentes responsáveis na Administração Pública.
Todos sofremos com as ineficiências dos sistemas públicos da saúde, da educação, da justiça, etc., mas há que reconhecer que em muito deles não é só propriamente a falta de dinheiro que os “bloqueia”, mas sim a incapacidade de organização, gestão e mesmo liderança. Muitas das reformas em serviços básicos sociais terão de prosseguir, em grande parte, focadas nesta perspetiva.
Uma outra questão relevante – como atrás já se referiu – tem a ver com a manutenção de contas públicas equilibradas como factor-chave para a própria competitividade da economia, cujo esforço deve prosseguir com conta, peso e medida, e tal também tem a ver com o nível de despesa pública a assumir.
Uma palavra final para a aparente falha da proposta de alívio imediato que o PSD lançou. É que, como todas as propostas de alívio fiscal consistentes, devem ser enquadradas numa visão de médio prazo onde, provavelmente, o Estado não continuará a beneficiar de taxas de inflação tão altas, tornando-se vital a racionalização da despesa pública e a definição de políticas de efetivo crescimento económico a prazo, razão última pela relativa mediocridade do país em que vivemos. Mas, atenção, estas considerações valem também para as esperadas propostas do PS.
E, francamente, já que faltam tão poucos meses para o final de 2023, PS e PSD devem antes empenhar-se no debate e tentar chegar aos consensos essenciais sobre esta matéria fulcral para o próprio crescimento económico, incluindo logo a seguir a tributação em IRC – e deixar para os radicais a inevitável acesa confrontação de pendor demagógico… São muitos os temas onde há grande margem para discordar, por exemplo a política do “Mais Habitação”!
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.