A Inteligência Artificial (IA) tem sido um tema muito debatido sendo que com a chegada do ChatGPT, houve um boom deste nova tecnologia. Já se percebeu que o futuro vai passar pela utilização desta tecnologia, e que esta tem diversas aplicações. Uma dessas aplicações é na área da saúde.
Em entrevista ao JE, Micaela Seemann Monteiro, diretora clínica da CUF Digital, fala-nos sobre o projeto que o hospital disponibilizou no final de 2021, com o recurso à utilização da IA, o projeto ‘Avaliador de Sintomas My CUF’.
Em que consistiu o projeto Avaliador de Sintomas My CUF?
O Avaliador de Sintomas que a CUF é um dispositivo, desenvolvido por médicos, com o objetivo de orientar as pessoas para uma triagem de acordo com sintomas e de sugerir o acompanhamento clínico adequado.
Combina a evidência científica, com a inteligência artificial e a validação médica. Esta ferramenta permite às pessoas, de forma autónoma, a partir de um ou mais sintomas, receber uma sugestão de cuidados e de hipóteses de diagnóstico prováveis. Para tal, e através da app My CUF, o doente percorre um algoritmo de perguntas em forma de entrevista estruturada que se adapta ao utilizador individual. No fim, o utilizador recebe uma recomendação que pode ir de apenas auto-cuidados até ao aconselhamento da procura de ajuda médica, seja através de Teleconsulta do Dia CUF (agendada, nesse momento, para o próprio dia), recurso a um Atendimento Permanente ou mesmo o contacto do Número de Emergência (112).
No entanto, não substitui a avaliação por um médico, mas é um dispositivo médico certificado que orienta e encaminha com segurança.
Como reagiram os pacientes ao uso desta IA na saúde?
A aceitação foi muito boa. A autonomia com que as pessoas agora possam iniciar a sua jornada de saúde de forma efetiva é empoderadora. Já não é necessário procurar respostas em motores de busca ou esperar que um profissional de saúde tenha disponibilidade para prestar a primeira atenção.
Um dado muito relevante é o número de pessoas que utilizaram mais de uma vez o Avaliador de Sintomas. Perto de 30% dos utilizadores voltaram a usar o avaliador de sintomas uma ou mais vezes. Este número tem vindo a crescer mês após mês, o que significa que quem o utilizou lhe reconheceu valor da primeira vez. Tendo em conta que muitos utilizadores felizmente não tiveram necessidade de procurar ajuda médica porque não adoeceram, consideramos a tendência verificada como muito positiva.
Qual é o balanço feito até agora do projeto?
O balanço é muito positivo. Desde o seu lançamento em dezembro de 2021 já foram efetuadas mais de 60.000 avaliações pelo Avaliador de Sintomas My CUF. São 60 mil casos em que a pessoa – independentemente do seu local ou da hora do dia – teve acesso imediato e de forma autónoma a uma análise da sua situação individual. Recebeu recomendações sobre como atuar e uma proposta concreta, em tempo útil, do serviço médico adequado.
Qual é o feedback que os médicos dão ao uso desta tecnologia?
O feedback dos médicos tem sido bastante positivo. O facto de encontrarem informação pormenorizada sobre as queixas do doente e patologia associada no processo clínico eletrónico quando iniciam a consulta é percepcionado como uma ajuda.
A CUF participou num estudo internacional para aferir o impacto do Avaliador de Sintomas My CUF na interação médico-doente: 93% dos médicos inquiridos consideraram a informação disponibilizada antes da consulta com o doente como útil, 60% consideraram que o relatório do Avaliador de Sintomas facilitou a conversa com o doente e 52% acharam que pouparam tempo.
Vê a IA a ser mais utilizada nas diversas áreas dentro da saúde?
A IA vai assumir um papel muito importante em todas as áreas da saúde: desde a prevenção, ao diagnóstico, à terapêutica ou à documentação, gestão e logística. Existem já vários outros exemplos em que a IA suporta o trabalho dos profissionais de saúde na CUF para facilitar o acesso e melhorar o acompanhamento ou o diagnóstico dos doentes.
Na área da imagiologia, por exemplo, algoritmos de IA já apoiam os médicos no diagnóstico e acompanhamento da esclerose múltipla em exames de ressonância magnética. A demência é outra área que também já beneficia da integração de algoritmos de IA. Estes calculam a volumetria do cérebro também através de ressonância magnética para detetar precocemente a demência e monitorizar a sua evolução.
Na área cardiovascular a IA está a ser utilizada na CUF para quantificar o fluxo sanguíneo em vasos. No acompanhamento após cirurgia de ambulatório a assistente virtual Clara apoia os enfermeiros CUF na vigilância dos doentes. Este AI-chatbot liga para os doentes e faz uma primeira triagem de situações que possam necessitar de um acompanhamento mais próximo pelo enfermeiro. A Clara liberta assim os enfermeiros para as tarefas mais complexas.
Que tipo de regulamentação existe e precisará de ser feita para o uso desta tecnologia nesta área?
Já existe regulamentação relevante que se aplica à IA. Desde logo o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados europeu que visa a proteção dos dados pessoais. Contudo não endereça os riscos específicos da IA.
A União Europeia está em fase avançada de discussão da proposta do European AI Act. Trata-se de uma regulamentação transversal para as ferramentas de IA e sua utilização no espaço europeu. Este regulamento também classifica as ferramentas de IA de acordo com o seu risco – nomeadamente – de comprometer os direitos fundamentais. Um dos objetivos principais é o de promover e garantir a utilização ética da IA. Assim, já endereça o risco de enviesamento. Trata-se de uma iniciativa pioneira no mundo, muito importante para dar rumo ao desenvolvimento e à utilização desta tecnologia.
De uma forma geral, o processo legislativo tem sido lento, tendo em conta a velocidade com que a tecnologia evolui. É necessário acelerar. Este processo não pode continuar a ser predominantemente reativo. A legislação terá de estar preparada, inclusivamente, para dar resposta a questões concretas que resultarão de futuras capacidades da IA, ainda hoje desconhecidas.
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