Em duas discussões aparentemente distintas – a dos que defendem que os maiores ordenados devem pagar mais impostos e os que consideram que as remunerações dos CEO não deveriam ultrapassar um determinado número de vezes a média do praticado na empresa ou até da remuneração mais baixa – existe um elemento comum. Penalizar fortemente quem tem uma remuneração elevada.
Dando apenas nota de que 1) as remunerações do sector privado são decididas pelos sócios ou accionistas e 2) o IRS é um imposto progressivo, até por imposição da Constituição Portuguesa (cuja revisão urge) – e abro aqui um parêntesis para recordar o artigo do Luís Aguiar-Conraria de Maio de 2017 sobre a progressividade do IRS e o potencial do IVA enquanto substituto. Esta eterna conversa dos “ricos que paguem a crise” é não só cansativa como, calculo eu, quem a defende não deve estar a considerar duas consequências.
Uma será a perda de receita fiscal que estas “elevadas” remunerações traduzem. Será bom lembrar que para um ordenado líquido de 1.800 euros, o Estado recebe o mesmo que o trabalhador. A entidade empregadora, para esse mesmo ordenado, tem um custo efectivo de quase 3.600 euros – estamos a falar do dobro!
Acima destes 1.800 euros líquidos, a que corresponde um ordenado bruto de cerca de 2.770 euros, o Estado recebe sempre mais do que o trabalhador. E quanto mais elevado for, maior é esta discrepância a favor do Estado. Para uma remuneração bruta de 25.000 euros, por exemplo, o trabalhador leva para casa 11.175 euros enquanto o Estado arrecada 20.012,5 euros. É aliás curioso perceber como um ordenado de 25.000 euros representa 40 vezes um de 632 euros, mas o valor que o Estado recebe no primeiro caso corresponde a 89 vezes o que recebe no segundo.
Perante este nível de progressividade, impressiona-me que ainda haja quem defenda taxas de imposto ainda mais agravadas para os escalões mais altos. Nesta linha de (estranho) raciocínio, li algures esta semana um comentário no Facebook de alguém que dizia que “quem recebe acima da média, deve pagar todo esse valor a mais em impostos” – brilhante!
Será que existe a noção de que esta ideia – puramente ideológica – de que todos devem ganhar o mesmo, não só não faz sentido sob nenhum prisma, como nivelaria tudo por baixo?
Qual é a motivação ou sequer o sentido de alguém exercer uma função mais exigente que outra se a remuneração é a mesma? Por que razão irá alguém investir na sua formação – e aqui estamos a falar de (muito) dinheiro mas também de (muito) tempo – se no fim do mês recebe, em termos efectivos, o mesmo que outra pessoa que nada investiu? Por que motivo irá alguém preocupar-se em ser excelente na sua função se receber o mesmo daquele que não quer saber? A que propósito aquele que traz resultados à empresa deve manter o seu empenho se recebe o mesmo que alguém que não traz nenhum ou muito pouco?
Até as pessoas que têm brio, que são bons profissionais e fazem questão de desempenhar a sua função o melhor possível, têm os seus limites de “estupidez”. Independentemente do valor do ordenado bruto, se o valor que efectivamente recebe não cobre a diferença de investimento, horas de trabalho, complexidade da função e/ou responsabilidade, que motivação será capaz de os manter com a mesma atitude e entrega?
A consequência seria óbvia – o nivelamento por baixo.
Ou alguém acredita que o Cristiano Ronaldo, que tem brio profissional, é super trabalhador, exigente, competitivo, perseverante, manteria a mesma garra com que trabalha se ganhasse o mesmo que o jogador na mesma posição do meu Belenenses? Ou qualquer outro que não se esforça, cumpre os mínimos e volta no dia seguinte? O futebol é, aliás, um mundo à parte. Ninguém critica os números do futebol ou o número de vezes que o Rui Vitória ganha a mais que o Lito Vidigal. E sendo, na minha opinião, números injustificados, uma coisa é certa – não há ordenados iguais e a remuneração assenta em meritocracia.
Podemos pegar no caso da Jerónimo Martins, que veio a lume a propósito do seu fundador, Alexandre Soares dos Santos, ganhar 90 vezes mais que a média de ordenados da empresa (Pingo Doce). A empresa é dele. Foi ele que a criou, é ele que dá emprego a milhares de pessoas, em Portugal e fora, milhares de pessoas que representam milhares de famílias, foi ele que arriscou, é ele que gere o negócio, não tem subsídios do Estado para a sua operação… por que raio não pode ele decidir sobre o seu próprio ordenado?
O que eu gostava mesmo era de ver estas pessoas vestir a pele e assumir os riscos de investidores e líderes de empresas. Seria a melhor forma de mostrarem, pelo seu exemplo, as suas ideias.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.