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Palestinianos não devem ser condenados a “inexorável morte” – académica Noura Erakat

A académica norte-americana de origem palestiniana Noura Erakat considerou hoje que se assiste a um momento de histeria contra o povo palestiniano, que merece viver e não ser condenado a uma “inexorável morte”.
cessar-fogo
Lusa
11 Outubro 2023, 19h07

A académica norte-americana de origem palestiniana Noura Erakat considerou hoje que se assiste a um momento de histeria contra o povo palestiniano, que merece viver e não ser condenado a uma “inexorável morte”.

“Estamos num momento de histeria. Os palestinianos merecem viver, e merecem viver agora. Estamos a ser atacados. A comunidade internacional deveria ter resolvido um conflito duradouro, onde vigora um regime de ‘apartheid’, ocupação de colonos, 16 anos de cerco, isto é a origem da crise”, disse a académica e ativista, 43 anos, em entrevista por telefone à Lusa.

“Julgo que se está a concentrar no que aconteceu há quatro dias e esquecendo que a comunidade internacional tem submetido os palestinianos a uma lenta e inexorável morte”, indicou, numa referência ao ataque surpresa desencadeado no sábado pelo movimento islâmico Hamas no sul de Israel, com um balanço total que ultrapassa os dois mil mortos, milhares de feridos e tomada de reféns.

Em resposta, Israel impôs um cerco total e o início de sistemáticos bombardeamentos na Faixa de Gaza, um enclave com 2,2 milhões de habitantes e privado de alimentos, água, energia ou combustíveis.

“É uma tragédia de enorme magnitude e proporções. E agora todos pedem vingança contra o Hamas, mas ninguém assume a responsabilidade pelo facto de os palestinianos terem continuado a viver numa prisão a céu aberto. Pela fome, cercando-os, atacando-os, e esperando que desapareçam silenciosamente”, assinalou a norte-americana de origem palestiniana, professora associada na Rutgers University e cofundadora do jornal digital Jadaliyya.

“Em vez de aprenderem com as lições, agora a resposta parece ser colocar os palestinianos encurralados e arrasar totalmente a Faixa de Gaza”, frisou, denotando ainda que a “construção de uma nova liderança” – alternativa à Autoridade Palestiniana, instalada na Cisjordânia ocupada, e ao Hamas na Faixa de Gaza – tem sido comprometida. “Os nossos líderes são assassinados, são presos, os nossos filhos são atingidos…”.

Com formação jurídica e também coordenadora do BADIL (Centro de Recursos para a Residência Palestiniana e Direitos dos Refugiados), Noura Erakat denotou um “momento estranho, mesmo muito estranho”, em que se atribuem responsabilidades aos palestinianos “que, literalmente apenas têm sido punidos, detidos, colocados nas piores condições de existência”.

Nesta perspetiva, considera que o atual momento vai muito além de uma análise sobre os motivos da inédita ofensiva militar do Hamas.

“A comunidade internacional tem poder para fazer muitas coisas, mas sobretudo desde há cinco anos Israel não tem sido responsabilizado, incluindo pela sua política de cerco, de ‘apartheid’, que se acentuou nos últimos três anos”, recordou, ao contrapor que “em apenas três dias” a Comissão Europeia tentou cortar toda a ajuda aos palestinianos.

“Basicamente, foi dito que os palestinianos não fazem parte da humanidade. Isso é a mensagem que nos tem sido enviada, e neste momento, após 75 anos de expropriação, 56 anos de ocupação e 16 anos de cerco à Faixa de Gaza, e com a crise de reféns do Hamas, estão basicamente a dizer aos palestinianos que não têm o direito a viver”.

A académia, que em 2019 publicou o “Justiça para Alguns: Direito e a Questão da Palestina” (em tradução livre a partir do inglês), livro que fornece uma nova perspetiva sobre a luta do povo palestiniano pela liberdade, considerou que Israel já desencadeou uma guerra total e em larga escala.

“Declararam um cerco total, o ministro da Defesa israelita [Yoav Gallant] disse que os palestinianos são animais humanos, prepararam um ‘blackout’ mediático, as pessoas não estão ser informadas porque Gaza está a ser devastada. Existem 2,2 milhões de palestinianos presos na Faixa de Gaza que atravessam uma catástrofe humanitária. Bombardearam a fronteira Rafah [com o Egito] para encerrar a única passagem que Israel não controla”, denunciou.

O impedimento de corredores humanitários, o envio de armamento a Israel pelos Estados Unidos e o reforço da presença militar norte-americana na região, constituem para a ativista a comprovação de que se prepara a operação para “devastar” a Faixa de Gaza.

“Tentam-se ainda que as opiniões públicas nos EUA e na Europa pensem que é apenas uma ação de boa-fé”, salientou. “Basicamente, respondem a uma situação de tragédia humana com a escalada dos crimes de guerra e contra a humanidade dirigidos ao povo palestiniano, e com entusiasmo. Nesta contradição, estamos a ser chamados sistematicamente de bárbaros”.

No âmbito das suas investigações, Noura Erakat prepara um novo livro, que será intitulado “Desmantelar o ‘apartheid’ do nosso tempo na Palestina”.

 

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