O Banco Central Europeu (BCE) anunciou em setembro mais um aumento das taxas de juro na zona euro, como medida para baixar a inflação. Esta decisão irá agravar uma vez mais, se nada for feito para o inverter ou o aliviar, o poder de compra das famílias portuguesas que se tem vindo a deteriorar nos últimos dois anos, sobretudo aquelas que têm créditos, nomeadamente os da habitação.
As altas taxas de inflação que se têm verificado nestes dois últimos anos, históricas neste século, em que as moedas fiduciárias têm estado a perder poder aquisitivo, têm levado as pessoas a avaliar alternativas de rentabilização do seu dinheiro.
Os tokens com função essencial de pagamento (por facilidade de leitura, criptomoedas), sem curso legal, em que o seu valor intrínseco deriva quase exclusivamente da oferta e procura, estão a ganhar espaço pois muitos poderão ser mais resistentes à inflação do que as moedas fiduciárias.
Do lado empresarial em Portugal, já se veem entidades, na sua grande maioria tecnológicas (ligadas ou não ao ecossistema cripto), com parte dos seus negócios a serem transacionados em criptomoedas, a avaliar e implementar o pagamento de salários aos seus colaboradores em criptomoedas ou outros criptoativos, como forma, entre outros motivos, de atrair e reter talento, cada vez mais escasso.
Contudo, existem limitações ao valor dos pagamentos de salários em criptomoedas, decorrentes do nosso Código do Trabalho. Tratando-se de uma moeda sem curso legal, estes pagamentos qualificam por norma como uma retribuição em espécie, os quais não poderão exceder a parte dos salários que é paga em dinheiro, exceto se a regulamentação coletiva de trabalho aplicável enquadrar uma regra distinta.
No que respeita ao IRS, as pessoas que recebam criptomoedas como contrapartida da prestação do trabalho, serão tributadas apenas aquando da entrega da declaração de rendimentos modelo 3, na medida em que os pagamentos em criptomoeda não são sujeitos a retenção na fonte. Do lado da Segurança Social, a regra geral é que estes rendimentos concorrem para a base de incidência contributiva, podendo eventualmente não ser sujeitos nas mesmas situações em que os pagamentos em dinheiro poderão não o ser também.
É cada vez mais comum, as pessoas quererem ter a liberdade de escolher como serão pagas pelo seu trabalho, e assim poder gerir fiscalmente o seu pacote remuneratório, permitindo-lhes, designadamente uma maior flexibilidade e liquidez. Do lado das empresas, com a implementação de planos flexíveis de benefícios, poderão otimizar os seus gastos com o pessoal.
Existem boas razões pelas quais alguns escolheriam o pagamento de remunerações em criptomoedas: transferências nacionais e internacionais imediatas, não necessidade de depender do sistema bancário e assim evitar o custo das transferências, permitir aos colaboradores diversificar investimentos com potenciais lucros futuros, entre outras.
Por outro lado, poderão existir algumas desvantagens que afastem esta opção, das quais se destacam o potencial de perdas devido à volatilidade destes ativos, as vulnerabilidades que algumas carteiras de criptomoedas possam ter, e, como não podia deixar de ser, a complexidade no cumprimento das obrigações fiscais.
Para as empresas, implementar o pagamento de remunerações em criptomoedas ou outros tokens, aliciante para os entusiastas das cryptos, trará muitos desafios técnicos e tecnológicos aos profissionais a envolver no processo. Esta operacionalização exigirá alterações ao processamento salarial já hoje existente, e já ele complexo, resultante das constantes evoluções legislativas que temos vindo a observar, bem como dos planos flexíveis de benefícios que as empresas têm adotado como forma de atrair e reter pessoas.
Longe vai o tempo que os profissionais de RH/Payroll das empresas tinham uma função administrativa. Atualmente, é exigido que estes profissionais deem um suporte maior à tomada de decisão dos gestores, que se pretende ser informada, tempestiva e adequada.
Estes especialistas em payroll têm hoje um conjunto de competências mais alargado, na área técnica (processos, legislação fiscal, laboral e da Segurança Social), na área digital (sistemas e tecnologia aceleradora de processos), e na área comportamental, cada vez mais importante nas organizações, desempenhando assim tarefas mais complexas e rigorosas.
Relativamente às VASP (Virtual Asset Service Providers) portuguesas, ainda em número reduzido, e resultante da necessidade de informação por parte da Autoridade Tributária, passaram a ter a obrigação de reportar as operações de cada sujeito passivo de IRS, efetuadas com a sua intervenção, relativamente a criptoativos. Assim, até ao final do mês de janeiro de cada ano, deverão efetuar essa comunicação. É expectável que esta comunicação venha a ser alterada de forma a alinhar com a necessidade de transposição da DAC8.
Em suma, o quadro regulatório vigente em Portugal permite, com as limitações conhecidas, a implementação de soluções de pagamento de salários em criptomoedas, tão desejadas pelas gerações mais jovens, que já utilizam este meio de pagamento para efetuar compras.
No entanto, poderá existir ainda um (longo) caminho a percorrer para que este modelo remuneratório entre nas estratégias corporativas do tecido empresarial em Portugal. O avanço tecnológico, as novas regulamentações e a formação das pessoas poderão contribuir para a construção da confiança de todos nesta moeda emergente.