Leonor de Borbón, princesa das Astúrias, cumpriu, no passado dia 31 de Outubro, dia do seu 18º aniversário natalício, o dever constitucional de juramento de fidelidade à Lei Fundamental de Espanha. Seguindo o princípio da continuidade característica dos sistemas monárquicos, a princesa repetiu o acto solene já executado por seu pai, trinta e sete anos antes, numa conjuntura bem diferente, mais prometedora do que a actual.
Em 1986, a Espanha encarava com esperança o seu futuro. Franco morrera há pouco mais de uma década e a transição para a democracia de um país uno na sua diversidade mostrava-se consolidada, apesar da tentativa de golpe ocorrida cinco anos antes, a 23 de Fevereiro, de cuja derrota resultaria, aliás, o robustecimento do projecto democrático. O país integrara nesse mesmo ano, juntamente com Portugal, a então CEE, quebrando o isolamento franquista, do mesmo modo que o seu vizinho ibérico quebrara o seu “orgulhoso” isolamento salazarista.
A ensombrar este futuro auspicioso, pairava o terrorismo independentista da ETA, que continuou nos anos seguintes a ceifar vidas. Porém, mesmo esse grave escolho seria superado pela força do Estado de Direito, sem comprometer a integridade do edifício constitucional sufragado pelos espanhóis em 1978.
Leonor de Borbón, pelo contrário, jurou uma Constituição em risco de esfacelamento por responsabilidade exclusiva de Pedro Sánchez, candidato a um novo mandato na presidência do Governo, prova de que não é apenas a direita radical que produz políticos perigosos. Sánchez reeditou a coligação com a extrema-esquerda, que nutre um ódio visceral pela monarquia, o que mais uma vez demonstrou ao estar maioritariamente ausente da cerimónia.
Entre os poucos que compareceram contam-se Yolanda Diaz, fundadora da coligação Sumar e uma das vice-presidentes do Governo, que resolveu – duvida-se que apenas por falha de etiqueta – trajar de negro. O republicanismo – ou talvez mais correctamente, o anti-monarquismo – do Sumar, não constitui obviamente qualquer delito, mas o desrespeito pelas instituições legítimas do Estado por parte de quem se propõe continuar a governar não é salutar para o regular funcionamento do sistema político.
Como não bastasse o reatamento das relações à sua esquerda, Sánchez aceitou decretar uma amnistia aos responsáveis pelo sedicioso referendo à independência catalã e sua consequente proclamação, como moeda de troca pela viabilização do seu Governo. Fazendo tábua rasa da Constituição, ferida na sua autoridade de lei suprema, Sánchez sacrifica à sua ambição pessoal a integridade territorial do país que pretende continuar a (des)governar, ao legitimar, perdoando, o separatismo.
À agressão que se prepara para desferir na Lei Fundamental, Sánchez dispõe-se também a causar um rombo nas contas do Estado, ao anuir à exigência dos separatistas de perdão de parte da dívida catalã, exigência reveladora do carácter pífio e a raiar o ridículo do independentismo catalão, que simultaneamente deseja ver-se livre dos espanhóis e obrigá-los a pagar as suas dívidas, ridículo de que Sánchez também se cobre ao avalizá-la.
A menos que os tribunais, no uso do seu poder soberano, e o povo, no uso do seu direito ao protesto, impeçam esta espécie de golpe de Estado constitucional que Sánchez e seus compinchas se preparam para desferir, a princesa Leonor corre o risco de, quando o seu tempo chegar, não ter país para reinar.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.