A propósito das facturas de electricidade e da estrondosa notícia da redução do IVA na potência contratada, estive à conversa com um amigo sobre a lógica de construção do preço final da electricidade e da pedagogia que a política fiscal deve ter subjacente, potenciando a alteração de comportamentos.
Quando a notícia da redução do IVA surgiu não se falou logo no valor da potência contratada – que, para os consumidores domésticos, assume, em geral, um valor mínimo de 3,45KVA ou um máximo de 10,35KVA. Dizia o meu amigo que reduzir o IVA na potência de 10,35KVA, por exemplo, induziria a comportamentos errados e opostos ao que deveria ser o objectivo, que deve assentar sempre na redução do consumo.
O que ele queria dizer é que, por hipótese, quem tivesse uma potência contratada de 6,9KVA poderia aumentar para 10,35KVA sem agravar a factura, afectando “negativamente” a disponibilidade global e potenciando o aumento do consumo. É verdade, ainda que neste caso específico considere que ninguém se ia dar ao trabalho… mas nunca se sabe.
Esta “educação” pela política fiscal é relevante e deve ser pensada. Deve tê-lo sido porque no dia seguinte foi dito que a tal redução do IVA só se aplicaria à potência contratada até 3,45KVA. Ou seja, na realidade, não vai haver impacto nenhum. Basta a ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos anunciar as tarifas para o próximo ano e lá se vai a anunciada poupança. E com o preço da energia eléctrica à produção a crescer este ano no mercado ibérico, as previsões não são as melhores. Neste sentido, esta política fiscal não serve para nada. Nem permite poupanças, nem promove alteração de comportamentos.
Mas o tema pode ser bem diferente deste. Com a desejável substituição da produção de electricidade das centrais térmicas por renováveis, o racional de construção de preço terá de mudar. Porque tudo o que está por detrás muda também. Numa central térmica, o custo de produção de 1MWh está directamente relacionado com o combustível que utilizo na queima. Mas numa eólica, o custo de produção desse mesmo 1MWH não será o do combustível, que é zero, e sim o custo da disponibilidade da infraestrutura.
À semelhança das telecomunicações, onde actualmente pagamos disponibilidade por banda larga ou gigabytes (GB) e não por consumos, na electricidade, o caminho poderá também ser esse.
Contratar uma potência de 10,35KVA significa alocar à minha casa uma disponibilidade do sistema eléctrico três vezes superior a quem contrate uma potência de 3,45KVA. Quer eu a utilize quer não, toda a infraestrutura tem de estar preparada para que, caso eu maximize o meu consumo, o sistema eléctrico dê resposta positiva – no sentido de eu ter ao meu dispor a “quantidade” de electricidade que eu queira utilizar em simultâneo e a qualquer hora.
Ao invés das centrais térmicas, que são construídas com determinada capacidade e a partir daí a produção é sempre possível mediante a procura que se pretende satisfazer a todo o momento – bastando para isso abastecê-la de carvão ou gás natural – quando estamos a falar de renováveis, temos sempre a questão da intermitência.
Não chove, faz sol ou vento 24h por dia e/ou na quantidade desejada. Pelo que, aqui, o tema será muito mais a disponibilidade do que a potência. A intermitência só pode ser ultrapassada de duas formas – ou com mais potência instalada ou com armazenamento. As duas implicam investimento. Estamos sempre a falar de disponibilidade.
Mais uma vez, fazendo um paralelismo com as telecomunicações, o custo é ter o número máximo de antenas instaladas para maior cobertura de rede. Também aqui estamos a falar de disponibilidade. Depois, se gastamos ou não todos os GB a que temos acesso no nosso pacote é perfeitamente indiferente, mas a antena foi instalada para eu os poder gastar.
A vantagem desta alteração de racional na construção do preço final da electricidade é que poderá, em simultâneo, induzir à tal desejável alteração de comportamentos, no sentido da global e expressiva redução do consumo e alisamento da curva ao longo do dia, mês e ano. Se ter em minha casa uma potência de 10,35KVA me for muito mais caro que uma de 3,45KVA, então terei alguma motivação para gerir os meus consumos de forma a que uma potência mais baixa me seja o suficiente. Actualmente, a diferença que pago por esta maior disponibilidade é 0,3139€/dia (antes de IVA). Não é suficiente para me obrigar a ajustar o meu comportamento face ao consumo.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.