O consumo é uma atividade basilar do modelo de vida ocidental. As sociedades modernas caracterizam-se por um crescimento aparentemente inesgotável da quantidade de produtos disponíveis e o nosso conceito de liberdade, no mínimo em termos económicos, está intimamente associado à capacidade individual de escolha. A tecnologia permite cada vez mais conjugar a personalização dos produtos com as eficiências da escala industrial, garantindo simultaneamente o crescimento da produção e a manutenção da propensão de cada pessoa para o consumo de produtos do seu interesse.
No olimpo digital ocidental, a Amazon é o paradigma do consumo, da mesma forma que associamos a Google a uma espécie de semideus que tem resposta para todas as nossas dúvidas ou o Facebook ao lugar para a socialização digital.
A Amazon tem-se transformado num mercado de uma dimensão colossal. Em comparação com as 5.000 referências de produtos disponíveis num supermercado urbano ou as 100.000 referências do maior mercado do mundo, a Amazon oferece-nos 500 milhões de produtos. A gestão de uma carteira dessa dimensão impõe enormes desafios operacionais, mas também exige uma abordagem diferente aos consumidores perante uma oferta que deixou de ter escala humana. Por esse motivo, e com base em sofisticados mecanismos de “perfilagem” com base nas sucessivas escolhas de compra, a Amazon consegue propor produtos cada vez mais adaptados aos gostos e às necessidades de cada pessoa.
O resultado desse processo é perturbador. Na atualidade, 37% de todos os produtos vendidos pela Amazon são sugeridos pela própria empresa; e uma em cada 20 propostas de venda que recebemos diariamente transforma-se numa venda efetiva. Perante a dimensão e o crescimento destas percentagens já não é possível falar de “vendas assistidas” e devemos começar a falar de “compras impostas”, embora o eufemismo técnico seja “curated product discovery”.
A Amazon diz-nos hoje o que queremos. Deixamos de ter vontade própria com base na quantidade e qualidade de informação que a empresa acumula sobre nós. Para termos uma ideia do poder dessa informação, o nosso perfil como consumidor é hoje muito melhor apurado com base nas nossas últimas três compras do que a partir da nossa informação demográfica sobre a idade, sexo, etc.
Como resultado desta capacidade, a Amazon multiplicou por 30 o seu valor em bolsa durante a última década, o que lhe permite dispor dos meios necessários não só para aprofundar estas técnicas, mas também para invadir outros âmbitos e conquistar posições de domínio em setores como os serviços cloud ou, mais recentemente, o entretenimento.
As implicações desta mudança são brutais e potencialmente devastadoras para o nosso modelo de vida. Toda a economia se baseia na manipulação das pessoas, mas a enorme capacidade da Internet para modelar condutas multiplica os seus riscos. Será preciso fomentar uma aliança efetiva entre a ciência e as leis para nos proteger destes desenvolvimentos técnicos se quisermos proteger os pilares da nossa civilização.