O programa “Mais Habitação” (Lei 56/2023 de 6 de Outubro) representa uma putativa solução rápida e não duradoura que disfarça o problema de falta de habitação económica nos grandes centros urbanos, com especial incidência nas cidades de Lisboa e Porto, e é mais uma machadada que o governo desfere no mercado de arrendamento nacional.

O programa legitima de uma forma grave o abuso do Estado pela interferência forçada que, perante a recusa dos privados em arrendar os seus imóveis, concede o direito de gestão da propriedade alheia aos municípios e ao Instituto de Habitação (IHRU), quando tanto os primeiros como o segundo demonstraram ao longo dos anos incapacidade para gerir o seu próprio parque habitacional, tendo milhares de imóveis desocupados.

O Governo finge esquecer que o direito à habitação, segundo a própria constituição, deve ser assegurado pelo Estado através da programação e execução de políticas de habitação promovidas em colaboração com as autarquias locais, cooperativas de habitação ou privados, que visem a construção de habitações económicas, servidas por uma rede adequada de transportes e equipamentos sociais.

O Partido Socialista governa o país há 30 anos e geriu a Câmara Municipal de Lisboa – António Costa e Fernando Medina – durante 15 anos seguidos, tempo suficiente para implementar as políticas necessárias para evitar a grave crise na habitação que afeta o país e a cidade. Há sete anos, o primeiro-ministro anunciou um investimento público de 1.400 M€ para a construção de 7.500 casas com rendas acessíveis destinadas a 30 mil famílias, mas nunca o concretizou.

O governo usa o “Mais Habitação” para esconder a incompetência socialista que a crise está a expor, explorando o sentimento primário “anti-proprietários” para se arrogar o direito de decidir sobre o uso que os donos devem dar ao seu património e fazendo por esquecer que o próprio Estado detém centenas de imóveis de grandes dimensões, vazios ou abandonados, que recuperados e convertidos em habitação permitiriam o acesso das famílias a milhares de casas.

A nova lei revoga a maioria dos benefícios fiscais associados à reabilitação de imóveis, limitando os que subsistem a certificação do IHRU, implementa uma nova taxa sobre os estabelecimentos de alojamento local situados em concelhos de pressão urbanística e ao mesmo tempo cria uma série de entraves à obtenção e renovação de licenças.

Para aumentar o número de casas disponíveis, o governo limita-se a forçar o arrendamento de imóveis propriedade de privados, com limitações de aumentos de 2% sobre o último contrato, sempre que excedam os limites gerais de preço de renda por tipologia previstos na Portaria 176/2019 de 6 de junho, ou quando o contrato de arrendamento imediatamente anterior não tenha sido objeto de uma ou mais atualizações legalmente permitidas (e desde que não tenham passado mais de três anos sobre a data em que teria sido inicialmente possível a sua aplicação), sob pena de pagamento de taxas de Imposto Municipal sobre Imóveis, agravadas entre 10 e 40 vezes, e  Adicional ao IMI independentemente do valor do imóvel e do valor total do património imobiliário do seu proprietário.

Com este programa, o governo perdeu ainda a oportunidade de reestruturar a manta de retalhos que é a legislação que regula a habitação em Portugal, tendo optado por complicá-la mais enquanto ignora um dos direitos consagrados na constituição portuguesa, que garante a todas as pessoas o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte.

Em tempo oportuno o CDS-PP pediu a intervenção do Presidente da República e o envio da lei para o Tribunal Constitucional porque o “Mais habitação” põe em causa a proteção constitucional da iniciativa privada e do direito à propriedade, realçando-se que em democracia e em liberdade o Estado não pode impedir os cidadãos de usarem, de forma plena e legal, os respetivos bens e que todas as restrições são sujeitas a indemnização.

Infelizmente não foi essa a opção no Palácio de Belém e está agora em vigor a lei 56/2023 (“Mais Habitação”) com todas as consequências negativas que a mesma vai provocar no parque habitacional nacional, notando-se já uma redução significativa dos imóveis disponíveis para arrendamento.

A lei representa um atropelo aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, consagrados na constituição, quando impõe a comunicação anual pelas empresas de telecomunicações, gás, eletricidade e água de uma lista atualizada de ausência de contratos de fornecimento ou de consumos baixos por cada prédio ou fração autónoma, com identificação matricial obrigatória, visando o arrendamento forçado de prédios suscetíveis de utilização independente para uso habitacional, classificados como devolutos nos termos do decreto-lei 159/2006.

O governo está refém da esquerda radical e cria assim uma versão mais suave da lei 198-A/75, que legalizou as ocupações para fins habitacionais verificadas até então, e obrigava ao arrendamento no prazo máximo de sessenta dias das casas consideradas devolutas ou que viessem a estar vazias. O arrendamento era feito por valores referentes ao da renda do último contrato ou, na sua ausência, no máximo de 1/6 do salário mínimo (2,75 euros).

As atualizações anuais muito limitadas destes valores que a lei permitia não evitaram uma degradação progressiva e muito significativa de boa parte do parque habitacional existente há 50 anos, e que ainda hoje constitui a base das zonas históricas dos centros urbanos.

Contrariamente ao que é afirmado para iludir as pessoas, não foi a chamada Lei Cristas (Lei 31/2012 de 14 de Agosto), publicada durante o governo PSD/CDS, que causou a falta de habitação. Esta lei permitiu acelerar a disponibilização e reabilitação de casas abandonadas nos centros das cidades portuguesas, tornando-as tão bonitas como estão hoje, e protegeu os arrendatários com mais de 65 anos ou com incapacidade superior a 60%, ou cujo agregado tivesse rendimentos anuais inferiores a cinco retribuições mínimas nacionais.

Por tudo isto não podemos deixar de repudiar a entrada em vigor do “Mais Habitação” que transfere para os privados o ónus de garantir às pessoas o direito a uma habitação e não contem medidas reais de promoção e execução de uma verdadeira política de habitação pública, que garanta o acesso para aquisição ou arrendamento a preços acessíveis.