O que é a democracia? A democracia está em perigo? A soberania ainda é exercida pelo povo? Desde tempos imemoriais que se questiona o sentido e alcance do conceito de democracia e este foi-se alterando com a evolução social.
No século XX, apesar da consolidação do constitucionalismo e do advento das democracias liberais, o conceito sofreu desenvolvimentos notáveis e retrocessos. A chegada ao poder do nacional-socialismo na segunda década do século passado implicou um pesado revés na forma como se encarou a democracia enquanto expressão da participação e da expressão do sentimento popular. A história não se repete, mas os resultados dos horrores da história podem regressar.
Esta reflexão surge num momento em que a democracia é questionada perante resultados eleitorais que exprimem um sublimado de extremismos, pelo uso de redes sociais e a proliferação de notícias falsas, de movimentos não políticos como suporte de candidaturas e vencedores de eleições, supostamente ganhas por adversários da democracia.
Desde a epopeia grega aos nossos dias, a democracia foi sempre assumida como um conceito em permanente aperfeiçoamento. Ninguém se esquece do ditame de Winston Churchill que dizia que a democracia era o sistema mais imperfeito que conhecia, mas aguardava que lhe mostrassem melhor.
Outrora considerávamos antidemocratas os que não aceitavam as regras do jogo eleitoral em que, de forma livre e ideal, participavam na escolha do seus representantes. Hoje esta definição é posta em causa por resultados complexos e discutíveis, enquanto se recorre às mesmas regras, ditadas por sistemas constitucionais impolutos. Imputamos responsabilidades a estratégias agressivas de marketing, financiamentos ilegais de campanhas, populismos, nacionalismos ou outras motivações básicas. Mas estes resultados são consequência das escolhas dos cidadãos.
Tomemos as eleições brasileiras como exemplo: as duas candidaturas à segunda volta das presidenciais caracterizam-se pela negação de tudo e de todos. Entre o #elenão e o ForaPT, e outros chavões e palavras de ordem parece não haver espaço para propostas e ideias quando se deveria equacionar as escolhas dos caminhos de futuro. É daqui que deriva a democracia posta em causa pela democracia.
Impregnados por uma superioridade ética e moral, questionamos a democracia porque não nos agradam os resultados. Como podemos contestar as escolhas de eleitores que votam numa extrema-direita que aceita o jogo democrático e, em simultâneo, aceitar que um partido forme governo sem obter os votos dos cidadãos e sem ganhar as eleições, só porque concretiza uma maioria parlamentar?
Neste quadro de perda de referências perdemos todos. Impõe-se regressar rapidamente à elevação e seriedade que deve caraterizar o debate político e a representação sentida (e não a representação consentida). Democracia significa respeitar a livre expressão dos votos dos eleitores. Eleitores que devem escolher por opção e não por reação. Antidemocracia é algo que não pode existir em espaço de livre escolha. Ou conseguimos contribuir para mudar esta tendência ou passamos a vender sabonetes e a escolher o que cheira melhor.