No final do ano passado, a maior parte dos estudos de prospetiva tecnológica coincidiam em prever que 2018 seria o ano da explosão da inteligência artificial e dos dados que a alimentam. Não se enganaram.

Tanto ao nível empresarial como ao nível pessoal, a produção, assemblagem, sintetização e comercialização dos dados tem-se transformado num negócio fabuloso. Inclusive as empresas que manifestam publicamente a sua preocupação pelo impacto na privacidade do processamento dos dados pessoais e que garantem não os monetizar diretamente, como é o caso da Apple, beneficiam deles indiretamente. A empresa de Cupertino reconhece uma receita de 9 mil milhões de dólares por permitir à Google o processamento da informação que recolhe dos seus clientes.

Os dados deixaram de ser uma prerrogativa das empresas tecnológicas e passaram a ser necessários para alimentar os algoritmos de todo o tipo de empresas. No início desta década, só 4% dos dados que gerávamos eram tratados, mas hoje já são a imensa maioria.

Os sistemas processam a um custo cada vez menor ingentes quantidades de informação não estruturada, gerada por nós próprios de forma inconsciente a partir da navegação ou de deslocações, que permite analisar a nossa atividade em tempo real para prever ou influenciar as nossas decisões. Desta forma, hoje recebemos propostas de viagens com preços personalizados para destinos que, embora aspiremos a visitar, ainda nem consultámos nos motores de busca.

O marketing analítico, tão distintivo da abordagem das grandes corporações americanas há só uma década, banalizou-se e hoje é globalmente acessível a todo o tipo de empresas.

A potência destes sistemas permite caracterizar-nos até níveis surpreendentes. Existem análises estatísticas que determinam o número de likes de Facebook necessários para melhor antecipar o comportamento do que as pessoas que nos rodeiam. Assim, dez likes perfilam-nos melhor do que o consegue fazer um colega de trabalho; 70, um amigo; 150 um familiar e 300, a nossa própria esposa. Estas gigantes da Internet estão a mudar o seu modelo de negócios suportado na publicidade tradicional para passarem a ser serviços de inteligência preditiva, que oferecem os seus serviços de forma gratuita com o propósito de acumular dados.

Dois terços das pessoas opinam que estas ferramentas de inteligência artificial destruirão a nossa privacidade. Mas o verdadeiramente importante é que as gerações posteriores aos baby boomers, os nossos jovens, não se importam. Os ecrãs dos dispositivos digitais atraem-nos como traças e neles vomitamos, inconscientemente, a nossa intimidade. Os nossos dados falam por nós, deixando um rasto de cadáveres digitais que permitem às empresas lembrar-se melhor dos nossos segredos do que nós próprios.

Os dados, como qualquer subproduto da atividade humana, requerem higiene. Fazer exercício é bom para a saúde, mas é preciso tratar a transpiração que provoca. Se não limparmos e protegermos a pele, acumularemos bactérias que acabarão por cheirar mal, igual aos nossos cadáveres digitais. Mas esta corrida acabou de começar e ainda temos tempo para nos preparar.