Decorridos oito anos desde a assinatura do Acordo de Paris, em dezembro de 2015, têm sido vários os instrumentos de natureza política, legislativa e normativa, com génese na União Europeia, que têm introduzido o tema das alterações climáticas no ordenamento jurídico de cada Estado-Membro. Com efeito, a redação do seu artigo 2º demonstra a importância fundamental do setor financeiro na canalização dos seus investimentos para atividades não poluentes, ou seja, não emissoras de gazes geradores do efeito de estufa com as consequências que se conhecem e sentem por todo o globo, materializadas numa maior frequência de eventos extremos como sejam os ciclones, cheias, secas, grandes tempestades e ondas de calor. Recordemos que um dos objetivos do Acordo consiste em manter o aumento da temperatura média mundial abaixo dos 2°C em relação aos níveis pré‐industriais e prosseguir os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré‐industriais.

Devido a atrasos e a distintos graus de compromisso na implementação do Acordo, as alterações climáticas representam o que um gestor de riscos poderá classificar de um “risco rinoceronte cinzento”, definido por ser um evento que, ainda que tenha carácter aleatório, tem uma elevada probabilidade de se concretizar. A sua ocorrência tem um elevado impacto económico e social e, no entanto, na perspectiva da gestão do risco é, por vezes, negligenciado. Assim, apesar de os “rinocerontes cinzentos” serem expectáveis e ocorrerem após uma serie de avisos, alertas prévios e evidencias factuais, as sociedades nem sempre estão devidamente preparadas para o esperado.

As alterações climáticas expõem as economias a riscos significativos aos quais o setor financeiro é necessariamente parte da resposta. Por forma a ultrapassar a sua difícil avaliação, a Network for Greening the Financial System (NGFS) desenvolve um conjunto de cenários climáticos atualizados com vista a analisar as consequências da sua ocorrência. A NGFS é um grupo constituído por vários bancos centrais, integrando o Banco de Portugal, autoridades de supervisão prudencial e observadores empenhados em partilhar as melhores práticas e experiências, contribuindo para o desenvolvimento da gestão dos riscos relacionados com o clima e o ambiente, mobilizando a indústria financeira no apoio à transição em direção a uma economia sustentável.

A NGFS assume que os cenários por si produzidos não são previsões, mas sim um leque de resultados futuros concretizáveis, com a finalidade de poderem ser utilizados por entidades publicas e privadas para uma melhor compreensão de como os riscos climáticos podem impactar uma organização, na estabilidade financeira e em termos macroeconómicos. De entre um conjunto de cenários, estabelece dois, à custa de políticas climáticas ambiciosas, para os quais se perspetiva ser alcançável aumentos de temperatura destacadamente abaixo dos 2°C dos níveis pré-industriais. Estes cenários, por pressuporem que estas são introduzidas numa fase inicial e se tornam gradualmente mais exigentes ao longo do processo, denominam-se cenários ordenados.

 

Na sua nota intitulada “NGFS Dubai Stocktake – A renewed commitment to accelerate the transtion to a climate and nature friendly global economy”, emitida antes do encerramento da COP 28, são apresentados os cenários de novembro de 2023, onde, pela sua implementação, se admite ser possível situarmo-nos próximo ou abaixo do aumento dos 1,5°C. Assim, no seu novo cenário “NGFS Low Demand mostra que é alcançável permanecer abaixo de 1,5°C, complementando-se a transição energética com o afastamento das energias fósseis, atualmente situada nos 80% do consumo energético mundial, para as renováveis, com a redução da procura energética e com alterações significativas nos padrões de consumo, através de políticas adequadas.

No seu outro cenário igualmente plausível de concretização, o “Net Zero 2050”, perspetiva-se a manutenção do aquecimento global acima de 1,5°C, mas muito próximo deste patamar, distinguindo-se estes cenários, essencialmente, pela exigência dos pressupostos de mudanças comportamentais nas atividades de produção e consumo energético, para uma transição ordenada e alinhada, face ao Acordo de Paris.

No atual contexto, dada a sua importância para a transição ter sucesso e ainda que seja suscetível ter significados distintos, não posso deixar de salientar a relevância do termo “ordenada” constar do texto do acordo da COP 28 e existir alinhamento entre as permissas teóricas e a prática na direção pretendida.

Sem prejuízo de se desejar ter sido mais ambicioso no acordo alcançado na COP 28 e com a esperança de que este não fique pelo papel, alcançou-se um marco histórico para a Humanidade com a referência explicita, pela primeira vez, ao abandono dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de uma forma justa, ordenada e equitativa, de modo a atingir a neutralidade carbónica até 2050.  E com a ambição de que as energias renováveis sejam o futuro novo normal, objetiva-se a sua triplicação, a nível mundial, até 2030.

Será necessário o compromisso de todos em sociedade e, sobretudo, das empresas e do sistema financeiro em particular e, naturalmente, do papel do Estado para que esta premissa possa tornar-se realidade. O caminho está traçado, exigindo um esforço e um investimento significativos para alcançar os objetivos propostos, mas com todas as peças da imensa engrenagem a movimentarem-se na direção certa, alavancadas pelos resultados da COP 28, surge uma nova dinâmica de esperança no sentido de se mitigar o ataque do “rinoceronte cinzento”.