No passado dia 5 de janeiro, foi aprovado em Conselho de Ministros o decreto-lei que rege o Mercado Voluntário de Carbono (MVC) em Portugal.
O MVC consiste em criar um mecanismo que transforma a redução de emissões de GEE ou o sequestro de carbono em créditos de carbono, que podem, depois, ser vendidos a entidades que ambicionam atingir a neutralidade carbónica e que, ao comprarem estes créditos, estão a compensar as emissões que não conseguem evitar. Para tudo isto são necessárias regras.
A definição destas regras foi então publicada a 5 de Janeiro. Trata-se de um decreto-lei que necessita de evoluir no tempo, mas por agora estabelece algo muito importante que necessita de ser compreendido pelos fundos de investimento e pelas empresas que procuram compensação de emissões: neste mercado voluntário – onde para se pertencer tem de se cumprir com um conjunto de regras metodológicas e de transparência, sendo necessário um registo numa plataforma especifica – só contam como potenciais créditos de carbono projetos que garantam “que a redução de gases com efeitos de estufa ou o sequestro de carbono previstos apenas ocorrem com a concretização do projeto proposto”.
Isto quer dizer que os créditos de carbono gerados neste mercado ocorrem, só e apenas, quando os projetos que os originam não são viáveis pela economia de mercado existente sem este enquadramento de mercado voluntário de carbono. Isto quer dizer que projetos de sequestro de carbono que já sejam viáveis do ponto de vista financeiro, não serão alvo de créditos neste mercado. Decorrente destas condições, então é preciso as empresas terem consciência que os créditos não vão ocorrer, por exemplo, quando o projeto “for financeiramente atrativo como resultado da certificação da atividade pelo mercado voluntário de carbono”. Também não vão ocorrer pela plantação de espécies que já têm valor de mercado.
As regras de MVC definidas neste decreto-lei vêm assim evitar a especulação financeira, que seria inevitável, associada ao valor dos terrenos, enfatizando que os créditos têm de estar associados à efetiva valorização dos serviços dos ecossistemas, nem que seja por se plantar uma espécie autóctone, mas em diminuição devido a vários fatores socioeconómicos e ambientais.
Este decreto-lei também abre portas a atividades que possam evitar os incêndios, uma vez que os créditos podem ser gerados por projetos que promovam a redução de Gases com Efeitos de Estufa. Ora, implementar projetos que possam vir a reduzir os incêndios, são projetos que que contribuem para a redução de Gases com Efeitos de Estufa. No entanto, mais uma vez, estes projetos para serem passíveis de originar créditos neste mercado, terão de justificar que, apenas porque existe este mercado, é que os investimentos poderão ocorrer.
Um aspecto que falta neste decreto-lei é a existência de um mecanismo que permita compensar financeiramente a região que origina esse crédito. Defendo que quando uma tonelada de carbono se transforma num crédito que é vendido, uma % desse valor de venda deve ser investido em desenvolvimento sustentável na localidade que originou o crédito. Se isto não acontecer, é possível que uma região venha a ter muitas plantações, que são geridas por drones e inteligência artificial, originado potencial venda de créditos, onde o valor da venda entra na carteira de um fundo de investimento com sede em lisboa ou Luxemburgo, e nada fica na comunidade. E isto não faz sentido. É necessário garantir que uma parte da receita gerada fica na localidade.
Por fim, acredito que o Ministério das Finanças deve participar com pensamento contemporâneo neste tema: é importante compreender que sem uma componente fiscal associada que viabilize financeiramente os fundos e os projetos de investimento em carbono, estes poderão não existir e, como tal, existe o risco de não se produzirem créditos neste mercado regulado. E o mercado voluntário pode não vingar.
Isto é particularmente importante porque para existir um mercado basta existir um comprador e um vendedor. E por isso, se este mercado regulado não vingar, é bem possível que outros mercados voluntários (não regulados) possam continuar a existir, causando uma enorme confusão sobre a qualidade e verdadeiro impacte no ambiente. Ou seja, este decreto-lei é cientificamente bem feito. No entanto, o mundo das empresas não é científico.