O projeto da linha de Alta Velocidade entre o Porto e Lisboa, que o governo de António Costa anunciou oficialmente no verão de 2022, parece agora mais perto de sair do papel. Depois de, na sexta-feira, o primeiro-ministro demissionário ter anunciado o lançamento do concurso público para a PPP do primeiro troço da primeira fase – entre Porto (Campanhã) e Oiã (Aveiro) – o anúncio do procedimento foi publicado esta segunda-feira em Diário da República.
No curto anúncio ficaram mais definidas as condições gerais do concurso, algumas das quais já antecipadas pela imprensa ao longo dos últimos dias. Assim, na descrição objeto do contrato a entidade concedente, a Infraestruturas de Portugal (IP) indica ue se trata de uma “concessão, por 30 anos, da linha de alta velocidade Porto (Campanhã)-Oiã, com duas fases”. A primeira tem cinco anos e abrange a “conceção, projeto, construção e financiamento da infraestrutura”.
A segunda fase, a da “Disponibilidade”, dura 25 anos, “para manutenção e disponibilização dos ativos”.
O troço em causa “tem 71 quilómetros de extensão” e “via dupla de bitola 1668 mm”, o que significa uma distância entre carris de 1668 milímetros, ou seja a que é usada em Espanha (e Portugal) e denominada bitola ibérica. A bitola europeia é de 1435 milímetros entre carris. Refere ainda o anúncio que a linha se destina a passageiros e permitirá “velocidade máxima de 300 km/h, visando um tempo de percurso direto Porto-Lisboa próximo da 1h15”.
O concurso para o primeiro troço inclui ainda “uma ponte rodoferroviária sobre o Douro, ligações à Linha do Norte, em Canelas, com 17 quilómetros de extensão, a adaptação da Estação de Campanhã, uma nova estação em Santo Ovídio (Vila Nova de Gaia), subterrânea, e uma subestação em Estarreja”.
Por outro lado, o anúncio deixa claro que este procedimento concursal não inclui “a manutenção do edifício de passageiros, interface e estacionamento das estações de Campanhã e Santo Ovídio, da via e catenária da Estação de Campanhã e das partes não estruturais do tabuleiro rodoviário da ponte sobre o Douro”.
Custo? A IP especifica que “os valores propostos pelos concorrentes nas respetivas propostas de remuneração não podem conduzir ao apuramento de um valor atual líquido (VAL), atualizado a dezembro de 2023, superior a 1.661.364.717,55 de euros. Ou seja, quase 23,4 milhões de euros por cada um dos 71 quilómetros do primeiro troço. É claro que este valor inclui ainda os acrescentos citados: a nova estação em Santo Ovídio e subestação em Estarreja, a nova ponte sobre o Douro e as ligações à Linha do Norte em Canelas.
“Para efeito do encargo total do Concedente, acresce a este valor um montante máximo de 480 milhões de euros, expresso a preços correntes, correspondente a fundos públicos na fase de desenvolvimento”, salienta a mesma nota.
E este valor por quilómetro é alto ou baixo? A resposta é complexa, devido às obras complementares do projeto, mas um trabalho do Tribunal de Contas da UE datado de 2018 estimou os custos de cada quilómetro de Alta Velocidade em vários países e obteve conclusões que podem ajudar a responder.
Primeiro ponto: cada quilómetro de Alta Velocidade (AVE espanhol, TGV francês ou alta velocidade alemã) custou, em média europeia, 25 milhões de euros. Esse é o valor médio de cada km de AV no continente europeu. Mas de país para país (e em cada país, de linha para linha) os valores variam muito.
Assim, cada quilómetro de Alta Velocidade em Espanha custou 14 milhões de euros (sem contar com troços com túneis, que aumenta muito o preço), contra os 15 milhões por quilómetro em França e na Alemanha e os 33 milhões em Itália, indica uma peça do jornal espanhol El Mundo sobre o relatório. Outro pormenor, ou “pormaior”: qualquer uma das linhas analisadas pelo Tribunal de Contas da UE no relatório de 2018 já foram construídas há muitos anos, algumas delas há 15 anos, pelo que os valores dificilmente se podem comparar sem uma atualização.
O tribunal de Contas, no entanto, chama a atenção para outras questões, que poderão vir a colocar-se para Portugal: a derrapagem nos custos de construção destas linhas de alta velocidade em quase todos os casos observados e o real valor dos projetos para os cidadãos (vs custos para o contribuinte).
De acordo com o relatório, o sobrecusto total nos projetos e nas linhas de AV foi de “5,7 mil milhões de euros nos projetos e 25,1 mil milhões de euros nas linhas. E oito dos 30 projetos analisados pelos auditores sofreram atrasos de pelo menos um ano. Metade das dez linhas tiveram atrasos de mais de uma década até ficarem concluídas.
Essa poderá ser uma preocupação para os construtores que se vão apresentar a concurso. O anúncio de segunda-feira determina que estes “players” – entre os quais é quase certo que se apresentará um consórcio português liderado pela Mota-Engil e um espanhol com a CSM/Acciona e Ferrovial – têm agora 153 dias (cerca de cinco meses) para apresentar as suas propostas.
Estas vão ter a validade de 360 dias (ou seja, o Estado terá de decidir neste prazo, sob risco de estas terem de refazer os seus cálculos) e a avaliação terá duas componentes: o critério preço (pelo menos no papel) terá uma ponderação de 70% e o critério qualidade um peso de 30% (sendo que este critério terá subfactores associados que ainda se desconhecem).
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