A questão linguística em África é tão complexa e rica porque representa a sedimentação dos processos históricos de deslocação, fixação e povoamento interno e externo ocorridos no continente berço, onde a exclusão de uma língua significaria a redução de um desses processos.

Uma abordagem redutora ou objectiva está condenada ao fracasso total e pode, por sua vez, alimentar conflitos armados de resistência, sendo mesmo um conflito existencial de um povo. Essa questão atravessa séculos de debates entre académicos e políticos, entre Amílcar Cabral e Paulo Freire sobre a língua de emancipação dos guineenses no quadro da luta de libertação. Para Cabral, seria o português, para Paulo Freire, por sua vez, deveria ser o crioulo.

Mário Pinto de Andrade criticou a latinização das línguas africanas, designadamente o kimbundu, decorrendo dos estudos realizados pelos padres que adulteraram a grafia de certas palavras africanas para acomodar a fonética europeia. Certos nomes africanos contemporâneos sofrem os efeitos da invenção e adulteração.

Em Moçambique, o radicalismo de Samora Machel levou a proibir o uso das línguas africanas, dentro do seu célebre lema “matar a tribo” para fazer nascer a nação. O radicalismo de Machel alimentou o surgimento da RENAMO, como forma de assegurar o direito à identidade nacional dos povos, sobretudo do norte de Moçambique.

O conflito moçambicano teve factores étnicos fortes, alimentado pelos países vizinhos (Rodésia e África do Sul), num período em que ambos se encontravam ainda sob o domínio dos respectivos regimes racistas brancos cujas línguas sedimentaram-se, sobretudo no caso da África do Sul.

A África Sul firmou um pluralismo linguístico, transformando-se numa nação arco-íris, onde os vários povos têm as suas línguas preservadas e respeitadas pelo Estado. Este resultado traduz-se numa manifestação de respeito pelo passado histórico do país, onde a exclusão era uma marca política do regime do apartheid. A superação desse regime representa a elevação e o respeito pelo direito dos povos africanos.

O direito de os povos africanos preservarem as suas línguas não deve depender tanto de um estatuto jurídico ou reconhecimento político/oficial do Estado, como se advogava.

Em Cabo Verde e na Guiné-Bissau, o crioulo não é uma língua oficial do Estado e nem sequer é uma língua oficial de ensino, mas, é a língua da unidade nacional. Por isso, é importante compreender o papel dos agentes extra-Estado, como os músicos que difundem a(s) língua(s) africanas.

Na música reside o sentido estético das línguas africanas, a sua poesia e prosa, a sua sensibilidade subjectiva, sem uma codificação linguística rígida ou determinista. A música não é só música, mas, sim, a afirmação e preservação das marcas linguísticas africanas, onde os seus grandes nomes fizeram carreira cantando as suas emoções nas suas línguas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.