O valor da tecnologia reside na sua utilidade e a web3 não vai ser excepção.
Não é a primeira vez que assistimos ao aparecimento de tecnologias deslumbrantes e cheias de promessas, mas que tardam a realizar o seu potencial. Aconteceu com a internet, inventada nos anos 60, cujo verdadeiro valor só se começou a fazer sentir no final dos anos 90, meia dúzia de anos depois do aparecimento dos browser que deram origem à World Wide Web. Devemos aprender com o passado para poder equacionar o futuro.
Qual foi, então, a faísca que provocou adopção da internet em massa? A grande diferença entre a internet, com ou sem World Wide Web, é imensa. Antes dos browsers, a utilização da internet era semelhante aos computadores com sistemas operativos aos quais era preciso dar instruções. Vem à memória o velho MS-DOS da Microsoft.
Tudo mudou nos computadores quando a Apple adaptou a interface com as janelas e o rato aos computadores pessoais, inventados anos antes pela Xerox para os mainframe. Na mesma linha, tudo voltou a mudar quando os browser dos anos 90 fizeram o mesmo à comunicação através da internet. A segunda vaga da adopção em massa da internet fez-se sentir 15 anos depois com generalização dos smartphones e a respectiva de obstáculos tecnológicos.
A conveniência dos smartphones é tão grande que, hoje, mais de 90% dos acessos à internet recorrem a dispositivos moveis. Em suma, o que conta é a simplicidade e a conveniência, pois a lei do menor esforço é inescapável. Adicionalmente, para as tecnologias de comunicação, o valor multiplica-se pelos efeitos de rede.
Está, portanto, encontrado o critério para aferir a adopção potencial das tecnologias da informação e da comunicação. Têm de ser simples e com uma conveniência patente no diálogo multilateral em rede. Então, e a web3?
A web3 assenta na tecnologia de auto-execução ecossistémica conhecida por DLT (Digital Ledger Technologies) da qual a Blockchain é o exemplo mais proeminente. Mas como não é a tecnologia em si que faz a diferença, temos de olhar para a forma como é utilizada, e também para o valor da sua aplicação em rede.
É verdade que a web3 tem feito furor em alguns sectores, como as criptomoedas, os NFT e os jogos, mas não é menos verdade que ainda está longe de influenciar o nosso dia a dia. Mas porquê? A resposta estará na sua utilidade.
Utilizar a web3 é simples, pois todas as transacções são executados com token, ou seja, com códigos criptográficos representáveis com QR Codes. Ler tais códigos com recurso aos smartphones não podia ser mais prático. Então, tudo passará pelas transaçcões passíveis de serem codificadas em token, e é aí que reside actualmente o maior entrave à sua adopção.
Vejamos. A DeFi é um nicho com imenso sucesso para a sua comunidade razoavelmente compartimentada. Não sendo regulada, os seus serviços também não podem ser estendidos indiscriminadamente à economia incumbente. Assim, apesar de as criptomoedas tradicionais, estáveis ou não, serem reservas de valor já reconhecidas pela lei, não podem ser meios de pagamento sem que um qualquer serviço de câmbio as transforme em agregados monetários aceites para esse efeito. Ou seja, podem ser apenas quase-moeda.
Claro que este panorama corre o risco de mudar rapidamente a partir do final do ano, assim que o sistema financeiro começar a fazer circular euro em forma de token. Será esse um primeiro passo para o necessário aumento de utilidade da web3, pois as trocas de valor são a base das actividades económicas.
O passo seguinte será a tokenização do que é útil.
Podemos tokenizar a nossa identidade digital, dando-lhe até valor jurídico. Imagine-se a conveniência da chave móvel digital transformada em biometria e QR Code.
Podemos tokenizar os vales de desconto, bastando para isso aproveitar a funcionalidade da DeFi à luz do regulamento do dinheiro electrónico. Curiosamente, o regulamento MiCA é particularmente claro a este respeito.
Podemos tokenizar acções, obrigações e fundos, à luz do novo regime piloto dos serviços financeiros, e com isso criar mercados secundários de todo o tipo de activos reais extremamente líquidos e eficientes, inexistentes até aqui.
Podemos, enfim, tokenizar o que quisermos desde que tal seja reconhecido por lei. É por isso que estamos a precisar urgentemente de uma estratégia nacional web3 que abra caminho à lei, à regulação e aos serviços públicos de suporte aos activos que necessitem de registo legal. A promessa é enorme dada a conveniência da web3. É até caso para perguntar de que estamos à espera?
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.