Fisco e impostos não são ideias que as pessoas associem a felicidade. Mais ainda num país como o nosso, onde a burocracia é demasiado pesada e complexa, há a tendência para se olhar para os impostos como um fardo que se tenta evitar ao máximo.
Os portugueses argumentam ainda que os seus impostos são mal utilizados pelos responsáveis governamentais, justificando também assim a sua tendência para a evasão fiscal. Curiosamente, em certos inquéritos, os portugueses declaram-se como defensores dos serviços públicos tendencialmente gratuitos, mas querem, ao mesmo tempo, pagar poucos impostos…
A verdade é que em todo o mundo as pessoas tendem a olhar para os impostos como um mal (exceptuando algumas nos países mais a norte), não percebendo que, em democracia, os impostos são sinal de civilização.
Uma sociedade sem impostos é uma sociedade sem Estado. E, sem Estado, as sociedades estão condenadas à pequenez (como nas tribos) ou à barbárie. O problema, no entanto, mantém-se: se os impostos são indispensáveis, a forma com são desenhados e implementados é crucial.
Pensando mais uma vez no caso português, deparamo-nos com uma fiscalidade kafkiana: leis complexas e sempre a mudar, impostos que perduram para alem da sua lógica inicial, múltiplas entidades cobradoras, impostos sobre impostos, falta de estrutura e de justiça na elaboração dos mesmos e espaços de arbitrariedade que dão azo à corrupção e à evasão fiscal.
Num país com o nível de dívida do nosso e com a dimensão da economia paralela que patenteia, temos que ser capazes de montar uma fiscalidade que junte simplicidade, eficácia, transparência, estabilidade e justiça, para que os montantes arrecadados sejam bem aplicados (redução da dívida e suporte dos serviços públicos) e que a evasão se vá erradicando.
Nos estudos da economia da felicidade demonstra-se que as pessoas valorizam a redução das desigualdades, a diminuição da incerteza, a qualidade dos serviços públicos, a diminuição da corrupção e a paz.
Desenhar um sistema fiscal que vá de encontro aos desideratos acima mencionados é o que chamo de fiscalidade para a felicidade.
No concreto, isso pode atingir-se através de impostos progressivos sobre o património, impostos mais sobre os indivíduos do que sobre as pessoas colectivas (para dificultar a deslocalização artificial das sedes fiscais), impostos sobre o consumo com uma progressividade muito superior à actual (penalizando os bens de luxo, de consumo conspícuo e que tenham externalidades negativas), diminuição dos impostos sobre o trabalho e aumento dos impostos sobre rendimentos de capitais (sobretudo os de curto prazo especulativos).
No nosso sistema, isto traduzir-se-ia numa pequena revolução: IMI mais elevado e progressivo, de acordo com os reais valores de mercado; fim do IVA e criação de um imposto sobre o consumo com taxas muito diferenciadas de acordo com o tipo de bens (de luxo, de consumo intermédio, de primeira necessidade, etc.); fim do IRC, mas tributação dos lucros quando transferidos para os sócios e tributação de todo o património empresarial (que teria que passar a ser propriedade directa dos sócios e não da empresa); criação de imposto de actividade, pago à cabeça pelas empresas, consoante a sua dimensão, idade, sector de actividade ou grau de inovação e impacto social (beneficiando as que empregam muito, que pagam bem aos trabalhadores, que não discriminam por género e que têm diferenças salariais menores entre as posições de topo e as de base, que inovam e que não poluem, que colaboram com a sociedade civil e com as universidades); simplificação do IRS, sem benefícios fiscais e sem progressividade; introdução de um imposto de redistribuição, cobrado aos que tiverem mais rendimentos e riqueza.
Ao nível da transparência, teria que ser calculado o custo anual per capita dos serviços de saúde, da justiça, da educação e da segurança social, entre outros, para que cada contribuinte percebesse quanto custa manter a sociedade e detectar se há áreas que estarão a ser mal geridas.
Com estes mecanismos de transparência, redistribuição e simplificação, aumentaria a sensação de justiça social e a vontade de contribuir para o sistema. Diminuiria a evasão fiscal e a economia paralela e aumentaria a responsabilização dos governantes face ao uso dos impostos. No fim do dia, criaríamos um sistema fiscal mais amigo da felicidade.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.