Foi em 1994 que ouvimos pela primeira vez a expressão “Geração Rasca”, um conceito que se tornou um símbolo de contestação de valores entre gerações e que, em 2011, veio a ser convertida em “Geração à Rasca”, fruto de uma intervenção no país e cujo impacto todos nós conhecemos. Trinta anos depois, qual é o nome que se segue?
Nativa digital, a Geração Z é diversificada, criativa, altamente conectada, estando a moldar e influenciar a cultura, o mercado de trabalho e as tendências sociais do país. Com uma mentalidade empreendedora e exigente, são adeptos da colaboração e valorizam o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, logo, são mesmo os líderes que estão “enrascados” se não se preparam para acolher esta nova geração que entra pelas suas empresas para coabitar entre as outras quatro gerações, cheios de sonhos – e vontade – de serem ouvidos, lidos e compreendidos.
Entre welcome kits, summer schools e outras amenidades, o plano é, geralmente, assegurar programas de mentoria para jovens que acabam de integrar a empresa e o mercado de trabalho. E ainda bem. Mas em contacto com uma nova geração de empreendedores na Casa do Impacto, muitas vezes debato-me com o “ângulo morto” das temáticas que lhes são inatas e que a nós passam despercebidas. E percebo, cada vez mais: o futuro com impacto é uma estrada de dois sentidos no que respeita ao conhecimento intergeracional.
A Mentoria sempre foi sobre construir pontes, relações e ligações entre quem tem mais experiência e quem está (tipicamente) a entrar para o mercado de trabalho ou a começar algo de novo. Desta forma, aqueles que já traçaram um caminho a lápis, que apagaram e que depois puderam escrevê-lo a caneta podem dar ferramentas para as novas gerações poderem fazer copy às vitórias, enter as novas ideias, escape aos perigos e undo aos erros – sim, nesta geração não há borrachas e decalque a caneta.
Mas hoje falo de “Reverse Mentoring”, um termo pouco reconhecido em Portugal, mas que significa precisamente isso: uma mentoria reversa em que os mais novos apontam as boas práticas e dão ensinamentos únicos aos líderes consolidados sobre o inconformismo, novos caminhos e desafios, e, sobretudo, sobre inovação e impacto. Será assim tão bizarro, visto que vão ser eles a sentir a mudança na pele?
O reverse mentoring pode ajudar os líderes a adotarem uma mentalidade de crescimento, a compreenderem os seus preconceitos e a promover mudanças imperativas no impacto das suas empresas no futuro e no Planeta. Para uma nova geração, repleta de inter-empreendedores, este processo pode ter um papel fundamental na calibração das empresas rumo ao impacto e, paralelamente, apoiar a manutenção de talento.
Por mais progressista que seja, nasci sem telemóvel na mão, só comecei a usar computadores na faculdade e a Internet só começou aí, não conseguindo ter a mesma lente dos mais jovens. Para adaptarmos o mundo a esta realidade, temos de nos munir de todos os olhares e quebrar ângulos mortos, as bipolaridades e o idadismo que em nada beneficia o equilíbrio do tecido corporativo.
Se não, sim: eles vão embora. E não, não é só por liquidez. Falamos de cultura, algo que ainda estamos bem longe e os recentes debates para as eleições legislativas foram mesmo exemplo disso: não foi um tema estratégico nas narrativas dos candidatos – surgiu apenas entre bandeiras, arruadas e de forma pulverizada e relacionada com estatística – não sobre as luzes que os jovens nos podem dar.
Está na altura de inverter esta tendência e quase que criar um pacto geracional, de colar todas as peças para compreender o espectro da sociedade em que vivemos, pois, dada a nossa longevidade, estamos perante cinco gerações que coabitam no mesmo local de trabalho com (naturais) conflitos de visão e convicções.
Da mesma forma que nos preocupamos com questões de género e raça, temos de nos preocupar com questões de idade e gerações, principalmente em temas que dirão mais às gerações futuras. Uma forma de o fazer é com reverse mentoring, em que damos oportunidade aos jovens de mostrar a sua importância a quem efetivamente tem – ou vem a ter – a faca e o queijo na mão no mercado de trabalho.
Candidatos como Biden ou Trump estão nos seus oitenta, CEO de grandes empresas também são de outras gerações, e mesmo entidades com vozes mais ativas na sustentabilidade são representados por fundadores que têm pressões geracionais latentes e que, por vezes, não acreditam sequer nas alterações climáticas – como declarações recentes nas campanhas legislativas também o puderam comprovar.
Se até os fundos de investimento mencionam que quem tem mais preocupações no que toca a ESG são as pessoas mais jovens, faz sentido haver um pacto, para trazer jovialidade aos decisores políticos, institucionais e corporativos. Até porque é importante atuar já – para se ver um verdadeiro impacto é preciso muito tempo para se ver resultados palpáveis.
Esta tendência está de facto a nascer e Portugal pode e deve acompanhar o novo conceito. Sei que a fundadora do LSE Generates tem mentoria com uma pessoa da sua equipa com 24 anos porque lhe dá toda uma nova visão. Internacionalmente, já várias empresas aplicam reverse mentoring nos seus quadros, como Accenture ou a norte-americana Target. Mas não falamos só de “corporate” ou de capacitar os líderes para as novas gerações – falamos também de outro reverso pois, se não houver um puzzle geracional, até a olaria ou tapetes de arraiolos vão desaparecer.
Na Casa do Impacto vamos, sem dúvida, debruçar-nos no tema e fazer-nos à estrada, desta feita, para os dois sentidos, tudo para que múltiplas gerações estejam viradas para um só modelo de atuação e futuro.
Este mundo em que startups de impacto possam inspirar grandes empresas para um Futuro, só pode ser melhor. A orientação inversa é uma das ferramentas mais poderosas e munição para um líder ultrapassar alguns dos seus maiores desafios e criar equipas saudáveis e 360º. E com uma nova geração (também) ao volante, não à Rasca, mas bem Capaz e desenRascada. E, se possível, de um carro elétrico.