Os cidadãos portugueses têm o direito (e o dever) de exercerem o seu voto, de forma livre, ou seja, ninguém é obrigado a votar e espero que assim continue.
Estamos a 15 dias de umas eleições muito importantes para o Parlamento Europeu, que decorrerão entre 6 e 9 de Junho próximo. Segundo sondagens de institutos europeus, a União Europeia apresenta-se, desta vez, mais mobilizada antecipando-se uma maior afluência ao voto na grande maioria dos países-membros.
Portugal é uma das poucas excepções, pois os cidadãos portugueses sentem-se menos predispostos para irem às urnas.
A esta situação não deve ser indiferente o grau de conhecimento das questões europeias e o tipo de campanha eleitoral, uma vez que a discussão dessas questões assume, entre nós, um carácter residual, pouco mais que umas frases, uns slogans, umas tricas entre partidos, muito embora este ano, pelo menos nos três primeiros debates televisivos, a situação tenha decorrido melhor que em eleições anteriores.
Nos últimos meses, em artigos de opinião aqui divulgados, procurou-se alertar para algumas ideias/causa da crise profunda (política e económica) que corrói a União Europeia (UE) e que pode levar a que, em 2050, represente apenas 15% do PIB real mundial contra 22,8% hoje, enquanto os EUA pouco mudarão, continuando em torno dos 35,4%.
Estes valores constam de um livro conjunto de Patrick Artus, economista francês de renome, e da jornalista Marie-Paule Virard, “Quelle France en 2050?” (Editora: Odile Jacob), publicado recentemente, onde se admite que esta queda se deve a bloqueios estruturais existentes que é urgente ensaiar como os ultrapassar, sob pena da União continuar em definhamento, a maior ou menor velocidade.
Neste espaço de opinião, tem-se falado da guerra na Ucrânia, das sanções económicas desajustadas contra a Rússia que, pela sua forma e conteúdo, só prejudicam a Europa e pouco a Rússia, das hilariantes tomadas de posição por muitos dos dirigentes da UE face a Israel e, sobretudo, da “forma contemplativa” como grande parte dos países europeus olham para os massacres de Gaza, duas guerras com duplicidade de critérios da Europa, do peso da burocracia que entrava o funcionamento e as decisões no seio da Europa, e, desde há muito, de desentendimentos fortes no campo da energia – base fundamental do progresso e do bem-estar das pessoas que está a levar a UE para uma perda de competitividade e a reduzir a sua economia em muitas áreas.
A desindustrialização, um processo em curso
Um dos bloqueios é a União Europeia viver “num mundo de fantasias” estabelecendo metas inatingíveis, sem antes ter preparado “as ferramentas” para enfrentar o novo mundo, decorrente da necessária transição energética e da redução das emissões de gases com efeito de estufa.
Mesmo antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, a UE estava em perda no acesso a energia abundante e relativamente barata, situação que se agravou bastante com a guerra, dispondo neste momento de um custo que quase duplica o dos EUA.
A economia da UE entrou num processo de desindustrialização acelerado em países como a Alemanha e, em várias frentes, com evidência nas exigências de elevados consumos energéticos, como o complexo químico. Mas atenção, as exigências de energia ocorrem tanto em indústrias consolidadas, químicas, ferro e aço, cimentos, etc., como em indústrias de futuro: Inteligência Artificial, centros de tratamento de dados…
Mas há outros sectores, como o automóvel, em que a União Europeia teve, durante quase um século, uma posição forte, em disputa pela vanguarda mundial, em termos de tecnologia e mercados e, neste momento, encontra-se em perda, devido a erros de não saber antecipar mudanças de mercado (erros de estratégia) e, assim, está a apagá-los do seu mapa industrial e económico.
Pela sua importância, centremo-nos na política industrial da União Europeia para o automóvel.
A Comissão Europeia estabeleceu que o automóvel a diesel e a gasolina deve ser desactivado até 2035, obrigando, deste modo, a uma transição precipitada do automóvel clássico para a motorização eléctrica, sem a tomada de medidas consistentes para ajustar os produtores de automóveis a essa mudança. Assim, corre um risco sério de toda esta indústria atravessar um período muito crítico com um futuro duvidoso.
E não nos podemos esquecer da importância económica e social que este sector em decadência na Europa ainda tem na economia, pois emprega cerca de 16 milhões de trabalhadores, gera à volta de 10% do PIB europeu e contribui fortemente para a balança comercial, para além do impulso que, durante muito tempo, deu em termos de tecnologia e desenvolvimento a outras indústrias, promovendo o seu avanço. Estes são valores dos impactos directos.
Estaremos perante a morte da indústria automóvel europeia?
Não errarei muito se multiplicar, no mínimo, por dois para chegar aos efeitos globais desta indústria na economia europeia. Se olharmos um pouco para a situação portuguesa, facilmente se percebe a dimensão do cluster automóvel na economia, embora Portugal não possa ser considerado um grande centro produtor.
Por que razão o automóvel está a atrasar-se na União Europeia, face aos EUA e China, que tende a comandar o mundo nesta área e mesmo face a uma Coreia do Sul? Há quem seja mais radical e refira que não se trata de um atraso, mas sim de morte da indústria automóvel na Europa, nas próximas décadas, se nada de fundo for feito.
De uma forma breve, apontemos algumas razões a que Comissão Europeia não atendeu antes de impor certas medidas a este sector.
O automóvel eléctrico mudou completamente o seu padrão de produção e organização. Para já, assenta numa integração vertical. Os fabricantes produzem e integram quase todas as componentes necessárias, ao contrário da fabricação clássica.
Na motorização eléctrica, a bateria passou a ser a peça dominante e para a fabricação de baterias precisa-se de muitas matérias-primas e intermédias, onde a China domina o mercado de fornecimento e, por conseguinte, o fabrico de baterias. A título de exemplo, refira-se que na produção dos principais componentes da bateria (ânodos, cátodos), a China detém uma quota mundial superior a 75% e que, hoje, a maior empresa de automóveis eléctricos, a BYD (China) até há pouco era um fabricante de baterias.
Mas, para além da bateria, é preciso dominar o software. E aqui está mais uma área em que se registou uma grande mudança face ao automóvel de combustão interna, a transição da mecânica para o software, em que as marcas clássicas Mercedes, Volkswagen, Peugeot, Renault, Toyota, etc., sentem dificuldades de adaptação.
Acrescente-se ainda que a China domina a transformação in loco de matérias-primas orientadas para este sector em países como a Indonésia, República Democrática do Congo, através de empresas de capital misto, a que o Ocidente não foi muito sensível em investir.
Pergunta-se, esta é uma área perdida? Quero ser positivo e direi que não, mas vai reduzir muito a sua quota-parte. A União Europeia está, diria, no ponto zero. No entanto, algo está a fazer-se ao nível do sector, com dificuldades, mas no bom sentido. Refira-se, a título de exemplo o grupo Stellantis, orientado por um gestor português, Carlos Tavares, que em cooperação com empresas chinesas, tudo indica, está a encontrar um caminho de recuperação para o seu grupo.
Não haverá, de certeza, lugar para todos. Uma nova indústria está em marcha, com outra centralidade geográfica – a Ásia.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.