Em Portugal, a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu parece ser o foco de todos os políticos. Infelizmente, os temas debatidos estão longe de ser os temas estruturantes da economia portuguesa. Aliás, esses parecem ter sido cada vez mais esquecidos… e daqui a uns dez ou 15 anos quem cá estiver “que pague a fatura”.
Vou tentar resistir à tendência populista em que vivemos hoje para não escrever meias-verdades simplistas, mas que caem bem ao ouvido. Na realidade, vou ser, talvez, demasiado negativa… para ver se alguém ouve. A verdade é complexa, demora mais do que dez segundos a ler, e é preciso utilizar-se uma parte do cérebro.
Infelizmente, não vivemos tempos bons. Mas não é ignorando a realidade e apenas focando a atenção no imediato que ajudamos o país a desenvolver e a prosperar. Nas últimas duas semanas vários artigos têm sido publicados e que mereceriam uma atenção redobrada em Portugal, apesar de ninguém os referir nem em prime time, nem noutro contexto mais discreto. A saber:
– A Comissária Europeia da Saúde alertou que as vagas de calor e as inundações que propagam doenças irão proporcionar o aumento das infeções transmitidas por mosquitos na Europa. Afirmou inda que “o efeito das alterações climáticas na saúde… vai estar efetivamente no topo da agenda política nos próximos anos”. De acordo com uma notícia no “Financial Times”, a dengue, o zika e a febre amarela estão a aumentar. O mosquito que as transmite estabeleceu-se em Chipre em 2022 e chegará inevitavelmente a outros países, segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças;
– Um estudo publicado pelo NBER – National Bureau of Economic Research, demonstra que o impacte das alterações climáticas na atividade económica dos países é significativo, uma vez que a variação de perda no PIB pode ir de -1% a -12%. Nas conclusões pode ler-se que os resultados obtidos permitem afirmar a existência de “31% de perda de bem-estar num cenário de aquecimento moderado, e que estes efeitos são comparáveis a uma guerra de grandes proporções travada a nível interno, para sempre”.
Citando o “The Guardian” num artigo sobre este mesmo tema, de acordo com este estudo, “um aumento de temperatura de 3ºC causará declínios abruptos na produção, no capital e no consumo que excedem 50% até 2100… Esta perda económica é tão grave que é comparável aos danos económicos causados por uma guerra interna e permanente”;
– A Comissão Europeia, através do seu EU Science Hub, lançou um relatório intitulado “Ir além do PIB: incluir a natureza na avaliação de políticas económicas”, onde se pode ler que o PIB não é a verdadeira medida de riqueza dos países, pois não capta totalmente a contribuição da natureza para a economia e não tem em conta os impactos ambientais causados pelas atividades. E, portanto, sugerem a criação de uma nova variável – o Produto dos Ecossistemas Bruto – que deve acompanhar as medidas tradicionais do PIB para uma efetiva avaliação da riqueza gerada no país;
– A Comissão Europeia abriu dois processos de infração contra Portugal: de acordo com o “Público”, um desses processos advém do facto de Portugal não ter transposto corretamente para o direito nacional a Diretiva Habitats, que protege a biodiversidade, impedindo a correta avaliação do impacto de empreendimentos planos para locais da Rede Natura 2000; o outro está associado ao facto de não termos cumprido as nossas obrigações na comunicação de dados para aumentar a eficácia energética dos edifícios. Ou seja, não só não temos consciência da riqueza que a natureza gera no nosso país, como nem sequer a promovemos!
– Esta semana, os ministros das Finanças do G7 e os respetivos governadores dos Bancos Centrais fizeram um comunicado conjunto, onde se pode ler que “as alterações climáticas estão a testar a resiliência dos nossos sistemas económicos e financeiros, através de riscos naturais mais frequentes, graves e imprevisíveis. Reduzir o défice de proteção a catástrofes naturais exige um esforço de colaboração entre várias partes, incluindo atores governamentais a todos os níveis, reguladores, supervisores de seguros, seguradoras e resseguradoras, numa vasta gama de domínios, incluindo o incentivo à redução e prevenção dos riscos e a melhoria da sensibilização para os riscos e da literacia financeira.
“Entre as medidas viáveis para aumentar a cobertura dos seguros, a colaboração entre as várias partes interessadas poderia assumir a forma de regimes público-privados de seguros contra catástrofes naturais que envolvam a partilha de informações e dados relevantes, a partilha de riscos e o financiamento público e privado… Salientamos igualmente a importância de promover iniciativas regionais de financiamento do risco de catástrofes, nomeadamente centradas nas necessidades específicas dos países vulneráveis e dos mercados emergentes.”
Tendo em conta que Portugal é dos países europeus que mais vai sofrer com os impactes das alterações climáticas, que já estão a ocorrer, e constatando que nada se fala sobre um desafio que poderia ser o alicerce de mudança competitiva de Portugal, ao posicionar-se como o país exemplo da economia verde, capaz de gerar emprego e investimento, diria que vivemos uma altura em que todos gostam de enterrar a cabeça na areia. Um país assim deixa muito a desejar.