O BIS (Bank of International Settlement) situado em Basileia na Suíça, uma espécie de Banco Central dos Bancos Centrais, publicou presentemente uma proposta muito interessante para a reconstrução do sistema financeiro com base na auto-execução ecossistémica. Chamou-lhe a internet das finanças, ou finternet.
A aplicação das DLT já começou a transformar a cadeia de valor do sistema financeiro. A este respeito, muitos têm defendido a disrupção da DeFi (Finanças Descentralizadas), porém, os seus serviços não podem ser adoptados pelos Estados de direito por não serem regulados. Consequentemente, a refundação dos processos e entidades do mundo financeiro tem de acontecer com a web3 através da lei e da regulação, e é por isso que vai demorar.
Já aqui defendi aliás que, precisamente por ser difícil, tal poderá ser fonte de vantagem competitiva para os espaços geopolíticos que avançarem mais rapidamente. E a União Europeia tem progredido com regulação relevante, tais como o MiCA e o DLT Pilot também já aqui discutidos. Convém, portanto, perceber onde as DLT nos vão levar, e é aqui que a finternet virá explicar os princípios subjacentes ao novo equilíbrio. Então o que será um dia a finternet?
A finternet será um protocolo financeiro inspirado no modus operandi da própria internet, hoje utilizada para comunicar rigorosamente através de todo planeta. É um protocolo distribuído ao serviço de quem esteja disposto a cumprir as suas regras.
Repare-se que ninguém nos obriga a usar a internet, pois há um sem número de outros protocolos disponíveis, mas se quisermos beneficiar dos seus extraordinários efeitos de rede, as regras têm de ser cumpridas religiosamente. E as telecomunicações não são diferentes das finanças, pois os seus serviços só são possíveis quando permitidos por lei.
O protocolo da finternet será diferente de tudo o que vimos até hoje no sector financeiro quanto ao relacionamento entre as suas instituições, devido às propriedades de auto-execução das DLT associadas à inviolabilidade e persistência dos registos distribuídos. A diferença é substancial, pois o cumprimento da lei e de todos os acordos entre as partes passam a ser suportados por tecnologia pura em vez das organizações de hoje.
A DeFi é, aliás, o resultado directo da aplicação destas propriedades e apenas não substitui de imediato os actuais serviços financeiros por não poder ser regulada. A finternet será assim uma espécie de DeFi com regulação, onde as entidades participantes são responsabilizadas pelo cumprimento da lei de forma auto-executável.
Tal será possível porque o protocolo da finternet incluirá todas as ligações necessárias à lei respeitantes a todos os intervenientes nas transacções, desde a identificação jurídica tokenizada, os agregados monetários para as transferências de valor também tokenizados, e todos os direitos e garantias sobre os activos financeiros em causa, também devidamente tokenizados. Resta dizer que nada impede incluir outros tipos de activos reais na arquitectura dos activos financeiros, o que vai depender da lei dos vários espaços geopolíticos em colaboração.
O interesse da finternet estará precisamente no suporte à auto-execução de transacções financeiras entre espaços geopolíticos, sabendo que o sector financeiro é o suporte de todos os outros. A tradefinance será naturalmente um objectivo subsequente e interessante, com impacto directo e importante no comércio internacional, nas cadeias de abastecimento e nos respectivos serviços.
Portugal já tem disponível, aliás, uma proposta para a estratégia nacional da web3, que se espera venha a ser colocada em consulta pública tão breve quanto possível. Posso assegurar que, apesar da dita estratégia ter sido escrita no final de 2023, esta é totalmente compatível com todos os princípios e arquitectura da recente proposta da finternet. Um dos proponentes desta última é o próprio director-geral do BIS, Agustín Carstens, o que confere uma força tremenda aos seus argumentos.
A proposta inclui um conjunto de características técnicas e de princípios orientadores para a sua construção, cuja interpretação começará no próximo artigo com a discussão dos registos distribuídos unificados (unified ledgers).
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.