Ao longo do tempo todas as sociedades humanas foram orientadas por ideias aceites pela maioria como verdades ou como senso comum não questionado. Uma das ideias mais generalizadas nas sociedades modernas e sobretudo contemporâneas é que a riqueza material é boa e quanto mais melhor. Apesar de considerações religiosas e éticas que apontam em sentido contrário, estas sociedades foram sendo construídas em torno da riqueza material como ambição individual e colectiva.
Neste quadro, um dos principais argumentos utilizados para defender o capitalismo é que é uma excelente máquina em produzir riqueza. E, de facto, há poucas dúvidas que a competição e insegurança geradas fomentam a ganância e o “trabalho duro”. O que muitas vezes se esquece é que a par da riqueza se geram crescentes desigualdades e injustiças, pobreza material e imaterial, mal-estar e destruição ecológica.
Podemos por isso dizer que o actual sistema económico é uma poderosa forma de organização que transformou radicalmente o mundo (curioso muitos conservadores apoiarem um sistema económico tão disruptivo), mas temos que ter consciência que foi a mais destrutiva que foi “inventada” e que muitas das suas consequências negativas ainda estão para chegar.
Neste quadro hegemónico da ideia de que devemos ambicionar e reverenciar a riqueza material, surge com frequência no debate político o argumento que não devemos tocar nos ricos e na sua riqueza acumulada. Que é bom que haja ricos. Que são eles que vão dinamizar a economia e acabar com a pobreza.
Apesar das evidências e o tempo levantarem bastantes dúvidas sobre esta tese, há pessoas que insistem que aquilo que necessitamos é mais crescimento económico, mais acumulação de riqueza, mais ricos, até ela chegar a todos. Vamos ser todos ricos! Resta saber se será neste planeta…
Colocando de lado a questão sobre a legitimidade, o mérito ou a justificação para tamanha concentração de riqueza, parece que muitos ricos vivem numa bolha de indiferença quanto às consequências sociais, económicas e políticas das suas rendas e negócios. Motivados e incentivados na procura de lucros e riqueza, o interesse pelo bem-estar social e a sustentabilidade ecológica não parecem ser as suas prioridades.
Acresce que a perseguição da riqueza conduz à competição e ao conflito, à tensão e ao stress para alcançar e manter esse poder e riqueza. Podemos por isso concluir que a miséria psíquica dos ricos produz no outro extremo a miséria material dos excluídos. A riqueza extrema constitui assim um dos principais flagelos das sociedades actuais, uma vez que não cria para os próprios ricos uma sociedade convivial mas sim uma sociedade doente, sem futuro digno.
Esta ideia de que quanto mais ricos formos mais felizes e realizados seremos, não resiste a uma análise atenta. O que a ciência e a experiência têm demonstrado é que a satisfação crescente dos desejos não satisfaz, a não ser temporariamente, o ser humano. A insatisfação mantém-se com a satisfação de desejos cada vez maiores.
Mais nunca é demais. Não interessa o quanto se consegue porque nunca satisfaz o desejo por mais. O desejo sem limite conduz ao sofrimento e à frustração. Vários estudos têm demonstrado que a partir de um certo nível o aumento do Produto Interno Bruto deixa de aumentar o bem-estar social e a felicidade da maioria das pessoas.
Tradições religiosas e filosóficas antigas compreenderam bem esta realidade. Por mais desejos que realizemos não seremos felizes. Não é a fama, o dinheiro ou o poder que trazem a felicidade. A verdadeira felicidade é encontrada no presente, na compaixão, na empatia, em descobrir ou definir um propósito para a vida – ler o magnífico livro do psicoterapeuta e sobrevivente de Auschwitz, Viktor Frankl, “O Homem em Busca de um Sentido” –, em mudar o foco do Ter para o Ser.
Não necessitamos de perseguir os prazeres e de um estilo de vida hedonista, necessitamos sim de sabedoria.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.