Criado pelo Papa Paulo VI em dezembro de 1967, o Dia Mundial da Paz é comemorado no primeiro dia do ano desde 1968. Representa, no quadro da época natalícia que atravessamos, também ele um momento propício à reflexão e análise dos fatores que hoje colocam em perigo a paz e a estabilidade dos povos. No caso concreto de Portugal, diria que vivemos um período conturbado, com dezenas de pré-avisos de greves marcadas até ao último dia do ano por profissionais de saúde nos hospitais, professores, transportes, prisões, tribunais, polícias, bombeiros, etc. Um fenómeno a que há muito não assistíamos.

Curiosamente, os pré-avisos de greves setoriais dispararam com a subida do PS ao poder, em proporção inversa às anunciadas pelas confederações sindicais, que diminuíram, sobretudo, as greves gerais. Mas o que aparentemente parece representar uma contradição – agora que o PCP e o BE apoiam o Governo em funções – trata-se apenas de uma reação do povo português, que após um período de intervenção externa e de restrições várias, esperava mais, muito mais. As pessoas tinham e têm a legitima expectativa de ver melhoradas as suas condições de vida e de trabalho, sobretudo porque acreditaram nas muitas (em alguns casos manifestamente exageradas) promessas da esquerda, que não estão a ser cumpridas.

Seguramente que este clima de indignação será um desafio a superar pelo Governo para manter a paz social que se impõe num ano de duas eleições, europeias em maio e legislativas em outubro. O desafio é ainda maior se pensarmos que a maioria destas greves são de funcionários públicos, que não correm o risco de perder o emprego e cujas ações de luta afetam a vida dos cidadãos em geral – contribuintes e eleitores.

Com tanta indignação e contestação no nosso país, bem patentes na forma repentina como despontaram estas greves setoriais, como agir? As centrais sindicais partidarizadas à esquerda não parecem ter força para as conter. Como garantir a paz social em 2019?

Nem de propósito, e acerca da paz social e da condução de políticas públicas, o Papa Francisco apresentou esta semana um documento intitulado “A boa política está ao serviço da paz”, onde reflete sobre as ‘virtudes’ e os ‘vícios’ da política, que atualmente retiram credibilidade aos sistemas dentro dos quais ela se realiza, bem como à autoridade, às decisões e à ação das pessoas que se lhe dedicam.

Não posso estar mais de acordo com as palavras do Papa Francisco, sobretudo quando este refere que “a paz não pode jamais reduzir-se ao mero equilíbrio das forças e do medo”. O mesmo é dizer que os políticos não podem alimentar o discurso do medo.

Têm, sim, que agir e combater a corrupção – nas suas múltiplas formas de apropriação indevida dos bens públicos ou de instrumentalização das pessoas –, a negação do direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da “razão de Estado”, a tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar do planeta, a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o desprezo daqueles que foram forçados ao exílio, etc. Só assim é possível atingir a eficiência económica, a dignificação retributiva e a igualdade de oportunidades que todos esperamos do Estado.

A política e os políticos não podem viver alheados da ideia do ‘serviço à coletividade humana’ e tornarem-se meros ‘instrumentos de opressão, marginalização e até destruição’, sob pena de condenar a sociedade a uma irremediável desagregação. E o povo português não merece esse destino.