Quando comparado com outros países europeus ou da bacia mediterrânea, Portugal não é um país pobre em recursos hídricos, apresentando valores de escoamento anual médio per capita superiores, por exemplo, aos de França, Itália, Espanha e Grécia, ou mesmo do Reino Unido. No entanto, vários fatores determinam desafios na gestão deste recurso, onde se destaca a acentuada assimetria espacial e temporal da disponibilidade de água que condiciona a quantidade de água disponível para satisfazer de forma contínua as necessidades de água dos vários sectores utilizadores.
Sem estruturas de armazenamento e de transferência de água, os anos e as estações mais secas determinam as necessidades atendíveis. É ainda necessário ter em conta que 65% do território continental fica numa das cinco bacias hidrográficas partilhadas com Espanha, de onde provém cerca de metade da água que se escoa nos nossos rios.
A seca que atingiu todo o país no ano hidrológico de 2021/22, perdurou no Sul no ano de 2022/23, e que ainda se mantém no Algarve e no baixo Alentejo, tem colocado o tema da água na agenda mediática nacional e, pontualmente, na agenda política. É o único efeito positivo de situações recorrentes que causam danos muito significativos ao país.
Não obstante o conforto hídrico médio acima referido, Portugal tem um grave problema de escassez de água que tenderá a agravar-se com o acentuar das alterações climáticas. É importante que este desafio seja assumido e que se discutam as políticas de gestão mais adequadas para assegurar que a procura de água nas várias regiões do território não exceda a sua disponibilidade, mesmo durante os períodos mais secos.
Na base dessa política deve estar um modelo de desenvolvimento económico que explore as vantagens competitivas de cada região, mas que seja compatível com os seus recursos, incluindo os recursos hídricos. É a água que condiciona as opções de desenvolvimento económico, e não o contrário.
A valorização do recurso é outro pilar de uma boa política. Sendo um bem escasso, a água deve ser utilizada de forma parcimoniosa, sem perdas nem desperdícios, e reutilizada sempre que possível. Esse uso parcimonioso exige o reforço dos processos de monitorização e de licenciamento, o controlo eficiente e eficaz dos usos da água e uma política adequada de preços da água que assegure a alocação dos recursos disponíveis aos usos de maior benefício social e económico.
Tal não significa a liberalização do mercado da água, porque é possível desenhar uma estrutura de preços que tenha em consideração o contributo social e ambiental dos vários setores utilizadores e a sua capacidade de pagar. Mas é importante garantir que o custo do recurso água seja incluído no processo de decisão dos agentes económicos.
Para além destas medidas de controlo da procura, é necessário investir na construção e manutenção de infraestruturas hidráulicas que asseguram a disponibilização da água. A aposta em soluções para aumentar oferta não deve ser empreendida a todo o custo, e devemos estar preparados para reconhecer que certas pretensões de uso da água não podem ser atendidas, porque os custos económicos, ambientais e sociais para as satisfazer ultrapassam os benefícios.
As decisões de investimento devem resultar de uma análise custo-benefício que inclua não só os benefícios económicos e sociais proporcionados pelo aproveitamento dos recursos hídricos, mas também os custos sociais e ambientais dessa utilização.
Na pesquisa de soluções para aumentar a oferta, todas as origens de água devem ser consideradas em paridade, incluindo a dessalinização e as águas residuais tratadas. Só assim é que será possível diversificar as origens de água e geri-las de forma integrada, adequando as exigências dos vários usos às características de cada origem. Uma vez mais, uma política de preços adequada poderá evitar o enviesamento para soluções de maior investimento inicial, suportado pelo Estado, e menores custos operacionais.
A repartição do esforço de investimento deve também refletir a distribuição dos benefícios proporcionados, podendo o Estado assumir uma parcela significativa, caso o investimento se dirija a corrigir falhas de mercado ou se verifique que existem importantes benefícios que serão partilhados por toda a população.
Os desafios que enfrentamos não têm soluções óbvias e sendo a água um fator condicionante que afeta um conjunto muito diverso de atividades e de interesses, é natural que surjam visões diferentes, por vezes parcialmente antagónicas. No interesse do País, temos de conseguir promover uma discussão objetiva sobre as diferentes opções, evitar posições extremadas e consensualizar uma estratégia que melhor sirva o interesse de todos.
*Thales de Miletus (c.625–545 ac)
Rodrigo Proença de Oliveira assina este texto na qualidade de autor do ensaio “Água em Portugal”, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), no âmbito da parceria entre o Jornal Económico e a FFMS.