Nunca é demais referir que a Democracia não se esgota nos processos eleitorais. Além da realização de eleições livres e justas, as Democracias assentam, talvez sobretudo, nos princípios de liberdade individual, direitos cívicos e de Estado de direito. Mas, num ano marcado mais por temas políticos do que económicos, é compreensível que se debatam as regras da eleição dos representantes populares nos órgãos de soberania.

A questão ganhou particular evidência porque, em eleições recentes, resultados semelhantes tiveram consequências bem distintas em termos de soluções governativas. Por exemplo, em Portugal, no Reino Unido e em França, os partidos ou coligações mais votados tiveram cerca de um terço dos votos, com efeitos muito diferentes: em Portugal há um governo minoritário, em França não se sabe ainda o que acontecerá e, no Reino Unido, 33.8% dos votos foram suficientes para o partido vencedor eleger quase dois terços dos mandatos.

Em Portugal continental, a utilização de círculos com número variável de deputados permite maior facilidade na criação de maiorias, mas à custa de “desperdiçar” centenas de milhar de votos, sobretudo nos partidos de menor expressão e nos distritos que elegem menos deputados.

No Reino Unido, discute-se como um partido que teve menos de 34% dos votos (portanto não teve a preferência 66% dos eleitores) pôde alcançar a uma maioria tão expressiva. Os trabalhistas ganharam mais 211 lugares, mas com apenas 1,6 pontos de aumento na percentagem. E, devido à menor afluência às urnas, até obtiveram menos votos do que nas últimas eleições!

O sistema francês “desperdiça” menos votos devido à realização de duas voltas, mas à custa da representatividade das forças partidárias que, ou se unem, ou simplesmente não elegem deputados. Há, em vários países, vários sistemas mistos, com vários círculos, que tentam mitigar estas limitações.

Nos EUA, aproximam-se as presidenciais e também há dúvidas acerca do mecanismo eleitoral. Para além de ser praticamente impossível eleger um presidente que não seja dos dois principais partidos (a não ser que o candidato independente “capture” um deles), a escolha de novembro será definida por relativamente poucos eleitores nos chamados swing states, podendo o presidente ser eleito com menos votos nacionais do que o seu concorrente.

Em resumo, os sistemas eleitorais podem causar distorções relevantes da vontade popular ou permitir soluções muito diferentes com a mesma quantidade de votos expressos. As eleições, enquanto metodologia de escolha dos representantes, são uma “tecnologia” que carece ainda de muito aperfeiçoamento.