Deu-se “magia” na segunda volta das Legislativas em França. O Presidente Macron, face à pesada derrota nas Eleições Europeias (9 Junho), dissolve de imediato a Assembleia Nacional e marca Legislativas para 30 de Junho e 7 de Julho (primeira e segunda volta). Face às sondagens que lhe eram, desde há muito adversas, Macron, tudo indica, trazia premeditadamente esta decisão para aquela noite.
Aliás, há quem identifique o Presidente Macron, como um homem que pensa e decide “só” e, raramente, partilha com os assessores as suas decisões difíceis. E esta não terá sido diferente. Nem com o primeiro-ministro Attal terá conversado. Limitou-se a convocar, simbolicamente, uma reunião no Palácio do Eliseu, um pouco antes de se conhecerem os resultados esperados, para dizer que ia anunciar a dissolução da Assembleia Nacional.
1. Na primeira volta das legislativas, os resultados chegam tão desoladores (duas grandes derrotas seguidas), dizendo-se que as sondagens apontavam, no mínimo, para uma vitória final relativa do partido (RN) de Marine Le Pen, e muitos para uma maioria absoluta.
Nesta situação de perda, muito rapidamente se gera um movimento em torno de tudo fazer para impedir a constituição de um governo RN, ou seja, bloquear a maioria absoluta como muitos previam ser ainda possível.
Utilizando as peculiaridades da lei eleitoral francesa da segunda volta, em que se pode desistir em favor de candidato melhor colocado, fizeram-se os arranjos contra o RN e a situação resultou praticamente em pleno. Esta permuta favoreceu todos os grupos políticos em desfavor do RN e o objectivo comum é atingido, ficando, assim, em termos de deputados, Marine Le Pen, em terceiro lugar, o grupo político de Macron, em segundo e a Nova Frente Popular (NFP-esquerdas), em primeiro. Até se escreveu que o primeiro-ministro Attal teve um bom desempenho na teia desta troca de permutas, pois foi muito extensivo, saindo assim prestigiado.
2. Uma matéria é o número de deputados, outra o número de votos que cada grupo político aufere. E havendo grandes desvios nesta correlação, sem dúvida, resta-nos uma profunda reflexão, sobretudo em termos de visão de futuro, sobre a questão como conjugar resultados e gestão de governação de forma a barrar o crescimento continuado da extrema-direita.
Cumprindo a lei, o objectivo foi alcançado, trabalhando na base do que unia os diversos grupos políticos: bloquear o acesso à formação de governo pelo RN.
Numa análise de como avançar ou mesmo se haverá condições de avançar pois foi esse certamente o motivo por que a Assembleia Nacional foi dissolvida, criar condições de governabilidade política do País, através da negociação de maiorias que sustentem o Governo, o que não havia anteriormente e a governação entrara em degradação, por enquanto a situação continua muito complexa e os motivos da dissolução ainda não se ultrapassaram.
Situação comparada – votos e deputados
3. A Nova Frente Popular obteve 182 deputados com 6 milhões 948 mil votos. O grupo do Presidente Macron 168 deputados com 6 milhões 574 mil votos e o RN (União Nacional) 143 deputados com dez milhões 121 mil votos (números redondos).
Por esta informação, vemos que o RN tem em relação à NFP mais 3 milhões e 100 mil votos e menos cerca de 39 deputados e em relação ao grupo do Presidente 3 milhões e 500 mil votos e menos 25 deputados. Diferenças muito acentuadas que nos fazem pensar, apesar de base legal.
No nosso país, tornar-se-ia chocante uma situação destas, pois estamos familiarizados com o sistema do voto directo e proporcional e ainda o queremos aperfeiçoar para que todos os votos sejam aproveitados em termos de deputados a eleger.
Tudo os uniu e agora tudo os desune
4. Macron está numa situação complexa para encontrar caminho para uma “terceira ronda”, ou seja, caminho sustentado para nomear um primeiro-ministro. Numa carta sua, divulgada a 10 de Julho, escreveu que “ninguém ganhou” estas eleições e então apelou para que se encontre uma maioria política na Assembleia Nacional para nessa base se designar o governo.
O caos domina. No interior da NFP, são muitos os que querem o cargo de primeiro-ministro, incluindo Mélenchon, uma personalidade rejeitada em geral para tal cargo, menos no seu partido a França Insubmissa (LFI), pois consideram-no muito quezilento e nada dialogante.
Nos partidos do centro, a confusão também não é menor, consoante se trata do centro-direita ou do centro-esquerda. Macron apelou à constituição de uma maioria na Assembleia Nacional, uma Frente Republicana para, de certa forma, excluir a LFI. E há quem aponte ainda um governo de natureza “técnica” como já aconteceu, em tempos idos, em países como a Itália. Tudo indica que a França não tem tradição para uma solução destas.
Mas talvez fosse a melhor saída temporária. É impossível um programa mínimo de governo a partir de pontos dos programas da NFP e do partido do Presidente. Pelo menos, partes dos dois grupos teriam de ser partilhados. E a distância é tamanha. Se até na NFP não se incluíram certas matérias como a energia nuclear, as relações externas, o equilíbrio das contas públicas, para que algo avançasse na segunda volta!
Se na reforma das reformas que afasta os dois grupos e Mélenchon desejaria acabar por decreto com esta reforma que deu tanto brado há cerca de um ano, o que não parece possível! Se a própria energia nuclear, neste momento, fulcral para a França, o défice orçamental, o problema do automóvel eléctrico, as minas de lítio, o mundo agrícola (os preços agrícolas/Ucrânia) e o ambiente, quase diremos não há saída, pois pouco de comum existe, para compor um programa mínimo de governo.
Só mesmo um governo “técnico” poderá abarcar uma série destas questões sem rejeição, tão essenciais na recuperação da economia francesa e equilíbrio das suas contas públicas.
Por exemplo, o desenvolvimento da energia nuclear em que cerca do 65% do povo francês está de acordo, tem de constar de um programa de governo, tanto mais que é motor da indústria e do emprego em França ou mesmo o automóvel eléctrico com impacto forte directo e indirecto na vida das pessoas e ainda as medidas sempre dolorosas para tirar uma França de um país em bancarrota.
Muita negociação está em curso ou deverá passar a estar. E se o que uniu os franceses foi o bloqueio de acesso ao poder do RN, algo tem de ser feito pelo próximo governo para que não se continue a gerar as condições para o seu crescimento. E esse trabalho só pode advir de um programa de desenvolvimento bem assente no terreno, pelo que terá de ser bem negociado com os partidos e as instituições de natureza social.
Há alguma esperança de que, no dia 18 deste mês, data da eleição da presidência da Assembleia, se tal se vier a realizar, isso revele indícios de que está em marcha um acordo de largo espectro que poderá ser conducente à solução do problema da coligação, na base de uma Frente Republicana. Se essa frente se concretizar, daqui sairá o governo que coabitará com Macron Presidente.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.