Para a identificação de prioridades em saúde pública para delineamento de estratégias é fundamental conhecerem-se os fatores de risco que mais contribuem para a carga da doença.
Os hábitos alimentares da população têm sofrido mudanças significativas nas últimas décadas em Portugal, afastando-se progressivamente do padrão alimentar mediterrânico. Este afastamento tem implicações graves para a saúde pública, com impacto negativo na prevalência de doenças crónicas não transmissíveis e na qualidade de vida. É imperativo alertar para os riscos associados a estas mudanças e a necessidade de promover a literacia alimentar em Portugal.
Segundo os dados mais recentes (2021) do Global Burden Disease Study, os hábitos alimentares inadequados em Portugal são o 5º fator de risco que mais contribuiu para a perda de anos de vida saudável, contribuindo para a carga da doença associada a doenças cardiovasculares, a diabetes e doenças renais, e neoplasias. Adicionalmente, a hiperglicemia, o excesso de peso e a hipertensão arterial são os três fatores que mais contribuíram para a perda de anos de vida saudável.
Torna-se assim evidente que a promoção de uma alimentação saudável é uma prioridade de saúde em conformidade com as estratégias da União Europeia e da Organização Mundial da Saúde.
A Dieta Mediterrânica, caracterizada por uma dieta plant-based dando preferência à escolha de hortofrutícolas, cereais integrais, leguminosas, frutos oleaginosos (vulgo frutos “secos”), azeite como principal fonte de gordura, e uma ingestão moderada de peixe, carne branca e produtos lácteos, tem sido amplamente estudada e cientificamente reconhecida pelos seus benefícios para a saúde. Vários estudos associam-na a uma menor incidência de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, obesidade, e alguns tipos de cancro.
Os maus hábitos alimentares dos portugueses
No que toca ao consumo alimentar dos portugueses, importa destacar alguns números para os quais é urgente tomar consciência e sobre os quais se deve agir:
75% das crianças e adolescentes com consumo de hortofrutícolas inferior ao mínimo recomendado (400 g/dia); 41% dos adolescentes com consumo diário de refrigerantes; 1 em cada 3 crianças ou adolescentes tem excesso de peso; um dia alimentar de um é composto, em média, por 29% de alimentos que não constam da roda dos alimentos; os alimentos ultraprocessados contribuem para 24% da média de ingestão energética diária; 24 % ingere açúcares livres acima ao limite máximo recomendado (10% da necessidade energética diária), aumentando para 45% no caso das crianças e adolescentes; 77% têm uma ingestão de sal superior ao máximo recomendado (5 g/dia); 1 em cada 2 adultos tem excesso de peso; 1 em cada 5 adultos tem obesidade.
Estes números são alarmantes e refletem uma mudança nos hábitos alimentares que urge ser corrigida.
O baixo consumo de cereais integrais, o elevado consumo de carne vermelha, baixo consumo de fruta, e elevada ingestão de sódio e elevado consumo de carne processada baixo consumo de cereais integrais, o elevado consumo de carne vermelha, e o elevado consumo de carne processada são os cinco principais fatores de risco alimentares que mais contribuem para a mortalidade total por doenças cardiovasculares, diabetes, doenças renais e neoplasias. Importa destacar que todos estes fatores são modificáveis, sem impacto económico para o consumidor e a serem alterados e ajustados às recomendações da Dieta Mediterrânica terão um impacto positivo na saúde global (individual e ambiental).
A literacia alimentar como ‘ferramenta’ a nosso favor
Mas sendo modificáveis, como os podemos alterar? É aqui que entra a literacia alimentar, ou seja, a capacidade dos indivíduos para obter, processar e compreender informações básicas sobre alimentos e nutrição, permitindo-lhes tomar decisões informadas e adequadas sobre os seus hábitos alimentares.
Em Portugal, a literacia alimentar ainda está aquém do desejável, o que contribui para a perpetuação de hábitos alimentares inadequados, sendo a promoção da literacia alimentar uma prioridade nas políticas de saúde pública. É crucial investir em campanhas de educação alimentar que informem a população sobre os benefícios de uma dieta equilibrada e os riscos associados ao consumo de terminado tipo de alimentos (p.e. ultraprocessados) mas também em relação ao excesso de consumo de outros face às recomendações (p.e. excesso de consumo de carne vermelha).
Temos de agir! O problema é conhecido, o impacto é evidente, a evolução e a projeção são alarmantes e os objetivos estão definidos. Mas quão efetivos e diretivos podemos ser para que o impacto seja positivo e relevante? A resposta não é fácil, mas o contributo individual de cada cidadão permitirá dar dimensão ao impacto global.
A escolha e seleção alimentar que vai delinear o padrão de consumo está centrada no indivíduo ou, no caso das crianças, no modelo alimentar familiar. A literacia alimentar pode influenciar o padrão alimentar, sendo até considerado no âmbito da estratégia para 2020-2030 do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) como eixo nuclear, a promoção da literacia em saúde e a capacitação da população para escolhas alimentares mais saudáveis onde se identifica a literacia alimentar como área de ação prioritária.
Pretende-se que o cidadão seja capaz de promover a sua saúde através da adoção de comportamentos alimentares saudáveis ou da correção de comportamentos menos saudáveis através da informação e da capacitação para a compra, confeção e armazenamento de alimentos saudáveis, promovendo a mobilização social e criação de informação que seja compreendida e geradora de ação em toda a população, independentemente do nível socioeconómico e escolaridade.
Esta aposta na promoção da literacia em saúde deve ser multidimensional, perspetivando-se melhorar conhecimentos, competências, motivação e a autoeficácia. O grande desafio é perceber a literacia alimentar de forma transversal no que respeita a atitudes, conhecimentos e comportamentos. Não basta conhecer ou saber, é fundamental alterar comportamentos com base no conhecimento correto.
Em suma, os hábitos alimentares da população portuguesa estão a desviar-se perigosamente do padrão mediterrânico, trazendo consigo um crescimento preocupante de doenças crónicas não transmissíveis. É imperativo que se tomem medidas urgentes para reverter esta tendência, promovendo a literacia alimentar e incentivando a adoção de hábitos alimentares saudáveis.
Como nutricionista, apelo à população para que adote uma alimentação mais consciente e informada, aproximando-se da dieta mediterrânica. A saúde pública depende das escolhas individuais de cada um de nós.
A desinformação em alimentação é um inimigo da literacia alimentar. Ter conhecimento de conceitos que parecem simples como porção alimentar, equivalente alimentar e recomendação alimentar é fundamental para as escolhas alimentares. Adicionalmente torna-se necessário trabalhar os aspetos fundamentais para a escolha, preparação, confeção e sustentabilidade alimentar. Conhecer as necessidades alimentares individuais, fazer as escolhas diárias ajustadas às necessidades, preparar e consumir refeições recorrendo às melhores opções disponíveis e promover a sustentabilidade de forma transversal é o caminho.
Conhecer, avaliar, refletir, reajustar e reavaliar deve ser o propósito constante, para decisões informadas, num propósito global de saúde e sustentabilidade.
Joana Sousa assina este texto na qualidade de autora do ensaio “Literacia Alimentar: Decisão Informada”, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), no âmbito da parceria entre o Jornal Económico e a FFMS.