Com o presente ensaio pretende-se contribuir para melhorar a percepção geral sobre o funcionamento do presidencialismo de partido na realidade angolana. Começamos com alguns exemplos que ilustram o papel que o partido tem vindo a desempenhar na tomada de algumas decisões políticas do Executivo.

O Presidente João Lourenço utilizou o partido para introduzir o tema da Divisão Política e Administrativa de Luanda e quando decidiu retirar o subsídio aos combustíveis teve de informar, primeiramente, os membros do Bureau Político do MPLA. Ou seja, envolveu directamente um órgão partidário no processo de governação unipessoal. Esta dimensão partidária do presidencialismo angolano não tem sido estudada pelos autores interessados na análise do sistema de governo. Por isso, neste ensaio pretendemos explicar o impacto da dimensão partidária na governação e no sistema de governo.

As primeiras classificações apresentadas sobre o sistema de governo, a partir da Constituição da República de Angola (CRA de 2010), foram as seguintes: “Presidencial” (Tribunal Constitucional de Angola (TCA), 2010), “hiperpresidencialista” (Jorge Miranda, 2010; Vital Moreira, 2010), “presidencialismo extremo” (Nelson Pestana, 2011), “base presidencial” (TCA, 2013) ou “presidencialista-parlamentar” (Carlos Feijó, 2015; Sihanouk Fortuna, 2015; António Paulo, 2015). Estas classificações basearam-se numa análise formal dos poderes do presidente, que passou a ser pespectivado como o único actor político e institucional.

Essa abordagem formal negligenciou o papel do Conselho de Ministros, que é um órgão auxiliar do Presidente da República (PR) que participa no processo de tomada de decisão na “execução da política geral do País e da Administração Pública”. Se o PR não solicitar o pronunciamento do Conselho de Ministros e decidir sobre as matérias em que a participação deste órgão é obrigatória (art.º 134.º, n.º 4 da CRA de 2010) verifica-se uma inconstitucionalidade por omissão.

Este órgão tem aquilo que chamamos de poder de veto negativo, i.e., uma vez alinhados, todos os membros podem decidir não comparecer numa reunião convocada pelo PR, que fica, assim, limitado para exercer um poder formalmente consagrado na Constituição. Como defende Richard Neustadt (1960), uma vez investido no cargo, o problema do presidente passa a ser o de identificar estratégias para fazer o seu governo trabalhar em função dos seus interesses.

Uma abordagem estritamente formal sobre o presidencialismo angolano acaba por ser extremamente limitativa, porque não considera a função dos actores não estaduais, em particular dos líderes partidários, que não têm poderes formais, mas conseguem, todavia, condicionar o funcionamento do governo. Sobretudo, importa não esquecer que compete aos partidos indicar os cabeças-de-lista às presidenciais angolanas.

Em 2017, depois das eleições, instalou-se uma situação transitória de bicefalia de poder em Angola. Não se verificou uma efectiva disputa no seio do sistema de governo, mas, sim, no sistema político, que colocou em confronto o Presidente João Lourenço, por um lado, e o presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, por outro. Ambos almejavam ditar as regras de funcionamento do sistema político.

Esta situação de bicefalia, que foi ultrapassada com a ascensão de João Lourenço à liderança do partido no Congresso Extraordinário de 8 de Setembro de 2018, ocorre sempre no presidencialismo de partidos quando o PR não é o presidente do partido vencedor das eleições. Podendo ainda ocorrer uma situação de tricefalia quando não existir uma força partidária com representação maioritária ou uma coligação que assegure um processo decisório maioritário.

Estas variações não são captadas pelas teorias do hiperpresidencialismo e presidencialismo-extremo porque perspectivam o Presidente como “dono” e “senhor” de todo o poder no sistema de governo angolano, ao ponto de ser observado como um líder autocrático (Miranda, 2010; Moreira, 2010; Pestana, 2011). Por seu turno, os autores do presidencialismo-parlamentar consideram que o PR se mantém na centralidade do sistema de governo, tendo apenas como contrapoder o Parlamento (Feijó, 2015; Paulo, 2015; Fortuna, 2015). Porém, o outro player está, obviamente, no seio do partido do Presidente e não no Parlamento. Por isso, a classificação que propomos é a de presidencialismo de partido, que incorpora os subsídios da teoria do veto player e decisive player.

O presidencialismo de partido em acção: organizar, coordenar e articular a política

As nossas recentes investigações sobre o presidencialismo angolano incorporam, agora, a análise de três dimensões do funcionamento do presidencialismo, designadamente:

  1. A organização dos poderes do Presidente nas três funções (PR, Chefe de Estado e Titular do Poder Executivo (TPE)) que desempenha de um ponto de vista institucional e formal. Em suma, o Conselho de Ministros e respectivos membros participam no processo de tomada de decisão e podem, efectivamente, exercer um bloqueio institucional e político. Por isso, o PR não exerce um poder absoluto como nos regimes monárquicos, sobretudo na dimensão do seu poder de TPE.
  2. A coordenação de quem exerce o poder executivo, que corresponde ao núcleo do governo ou inner core do presidente. Os ministros e respectivos secretários de Estado e os governadores não são meras figuras decorativas. Estes executam políticas e preparam o processo político através da negociação e concertação com grupos de interesse e com o respectivo partido. Assim, o PR está dependente dos seus auxiliares, que o condicionam.
  3. A articulação política é essencial na construção de uma agenda política harmoniosa com o poder legislativo para evitar bloqueios. Em situações de bicefalia, o PR está mesmo obrigado a articular com o presidente do seu partido. Caso contrário, não terá como garantido o seu segundo mandato nem a aprovação do Orçamento Geral de Estado.

É na essência da articulação política triangular (presidência, partido e grupo parlamentar) que o PR consegue assegurar uma legitimidade eleitoral, pois é indicado pelo partido como candidato. O partido serve, ainda, como elemento de suporte da agenda governativa no parlamento e na mobilização política e social. Para esse efeito, teria de existir um ministério com a tarefa de articulação e coordenação política, o que nunca existiu nos mandatos do João Lourenço. Sem este ministro o processo decisório torna-se mais demorado e enfrenta alguma resistência. Com isto, a eficiência da presidência é menor e marcada por muitos avanços e recuos, gerando um forte desgaste da imagem do Presidente, que surge como o único responsável pelo fracasso.

Os futuros estudos sobre o presidencialismo angolano devem evitar uma perspectiva formal e privilegiar abordagens focadas na funcionalidade do mesmo. Os estudos realizados até ao momento alimentam a ilusão de que o PR detém um poder excessivo e consegue resolver todos os problemas do país. Essa ideia perde alguma consistência a partir do momento em que estamos cientes que o Conselho de Ministros participa no processo decisório. Igualmente, que há outros actores políticos que exercem uma grande influência na governação do país, sobretudo quando o PR não pode nem consegue estar em todos os sítios e tem de delegar poderes nos seus auxiliares.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.