No dia 26 de Agosto, a 84km de Lisboa, os sismógrafos registaram um abalo de 5.3, ou seja, graus IV/V (entre moderado e forte) na escala de Richter. Muitos portugueses relataram ter acordado com o abanão.
Os meus filhos acordaram e colocaram-se debaixo das camas. Durante todo o dia e seguintes, este foi o tema nas redes sociais e na comunicação social. Entre o susto, o que fizeram os responsáveis políticos, a acção da protecção civil, a situação dos edifícios e a cada vez mais “familiar” desinformação. Também aquando de alguns desastres sísmicos noutros países se gera esta agitação e maior atenção aos fenómenos sísmicos, talvez e naturalmente, não tanto quanto este que se acercou de nós.
Não. Este não é um artigo de crítica ao sistema de protecção civil e à sua preparação para um evento sísmico. Tão pouco pretendo dizer que as forças de segurança e de socorro não farão devidamente o seu trabalho em caso de sismo. Estou convicto que farão tudo o que lhes for possível. Errarão porque é humano e as circunstâncias em que actuarão serão muito complexas e difíceis. Também não pretendo fazer a apologia que de que não precisamos de nos preocupar com a sua actuação, pois considero que necessitamos de uma atenção e acção de melhoria e desenvolvimento permanente destes mecanismos e das pessoas que dele fazem parte de modo que possam ter a melhor prontidão possível.
Podemos confiar que as forças de segurança farão o seu melhor. Mas, perante um desastre, conseguirão chegar a tempo? O que você fará nos minutos cruciais?
Tão ou mais importante que o grau de preparação e prontidão das forças de protecção civil e de toda a sua organização são os comportamentos pró-sociais de cada um de nós em caso de sismo em Portugal. Pelo que a pergunta que cada um tem de fazer a si próprio e aos que o rodeiam é: estão preparados para fazer face a um sismo de elevada magnitude?
Em catástrofes de grande escala, como sismos, as equipas de emergência podem demorar horas ou até dias a chegar a todas as áreas afetadas. Em sismos de grande magnitude o volume de chamadas para os serviços de emergência é extremamente elevado, o que pode levar a longos tempos de espera ou à impossibilidade de comunicação, devido à sobrecarga das redes de telecomunicações.
Por exemplo, durante o sismo de 2011 em Christchurch, Nova Zelândia, as linhas telefónicas foram rapidamente sobrecarregadas. Estudos realizados sobre desastres passados, como os sismos de Loma Prieta (1989) nos EUA e de Izmit (1999) na Turquia, mostram que o comportamento pró-social e a ajuda mútua entre cidadãos foram essenciais para salvar vidas. Em muitas situações, vizinhos e transeuntes foram os primeiros a prestar socorro, resgatando pessoas presas em escombros antes da chegada das equipas de resgate.
Comportamentos pró-sociais, como manter a calma, ajudar a evacuar edifícios de forma organizada e fornecer primeiros socorros, ajudam a reduzir o pânico e a melhorar a coordenação durante um sismo, o que pode prevenir danos físicos e psicológicos e salvar vidas. A coesão social e o apoio mútuo podem mitigar o impacto psicológico dos desastres. A investigação demonstra que comunidades que mantêm laços fortes antes de um desastre recuperam emocionalmente e socialmente de forma mais eficaz.
Para além disso, há que referir a importância de cada um de nós para a prevenção das consequências em caso de sismo. E ela começa quando temos todos um papel, uns mais responsáveis outro menos (decisores políticos, engenheiros civis, arquitectos, construtores, trabalhadores da construção, clientes quando compram casas, imobiliárias, serviços técnicos das autarquias) para que as casas sejam mais seguras, tenham construção anti-sísmica e existam planos de evacuação nas localidades, por exemplo.
E o que podemos fazer para estimular os comportamentos pró-sociais?
O reforço sistemático das acções de educação e promoção de literacia que ajudem os cidadãos, desde crianças, a desenvolverem competências que lhes permitam actuar nestas situações, mas também terem uma visão e actuação crítica e constructiva em termos de prevenção mostra ter resultados.
Países como o Japão têm programas educacionais extensivos que ensinam os cidadãos, desde a infância, como reagir em caso de sismo. Esta preparação prévia resulta em comportamentos automáticos que salvam vidas, como abrigar-se debaixo de móveis robustos ou saber onde estão localizados os pontos seguros. Daqui deverão decorrer o aumento das famílias que possuam “planos de emergência domésticos”, ou seja que têm presente de forma explícita e organizada como fazem, para onde vão, o que levam, em situações deste tipo e que possuem kits de emergência que todos sabem onde se encontram.
De acordo com a evidência científica disponível isto significa maior probabilidade de agir de forma eficaz durante um sismo, o que pode significar a diferença entre a vida e a morte. Pessoas treinadas em comportamentos de resposta a emergências, como evacuação e primeiros socorros, agiram mais eficazmente durante desastres, diminuindo o número de vítimas. Estes são apenas exemplos nada exaustivos do que poderia existir e deveria, para bem de todos.
Apenas quero ainda referir-me a uma matéria mais específica e complexa, para além de muito frequentemente ser ignorada: a da importância da perceção pública. Quando a população percebe que o trabalho de promoção de comportamentos pró-sociais está a ser feito de forma transparente e eficiente, há uma maior probabilidade de adesão a essas iniciativas. A transparência e a comunicação eficaz aumentam a confiança nas autoridades e nos programas implementados.
A perceção pública positiva pode incentivar uma maior participação nos programas de preparação para desastres. Se as pessoas veem os resultados tangíveis e entendem o valor das iniciativas, estão mais propensas a envolverem-se ativamente. Quando o trabalho de promoção de comportamentos pró-sociais é visível e reconhecido, ajuda a estabelecer novas normas sociais.
Isso significa que as ações pró-sociais começam a ser vistas como o comportamento esperado e desejável, criando uma cultura de segurança e cooperação que pode persistir e fortalecer-se ao longo do tempo. A perceção pública pode gerar um efeito de contágio, onde a adoção de comportamentos pró-sociais por parte de uma pessoa ou grupo leva outras a seguirem o exemplo, criando um ciclo positivo de comportamentos seguros.
Quando a perceção pública é a de que todos estão preparados e que comportamentos pró-sociais são a norma, a resposta a emergências tende a ser mais rápida e coordenada, o que pode salvar vidas e reduzir o impacto do desastre. A perceção de que a comunidade está unida e preparada pode fortalecer o tecido social, reduzindo o impacto psicossocial de desastres e facilitando a recuperação pós-crise. Concluindo, é preciso fazer e ser percebido pela população que se está a fazer. E, portanto, isto não vai lá com achómetro e amadorismo.
Embora a atuação das autoridades seja fundamental, a segurança em caso de sismo depende em grande parte dos comportamentos pró-sociais e da preparação individual e comunitária. A ONU destaca que a prevenção e a preparação ao nível comunitário são componentes cruciais na redução do impacto dos desastres naturais, no seu relatório de 2019 sobre redução de riscos em caso de desastre.
Esses factos e evidências dão suporte à ideia de que a preparação individual e os comportamentos pró-sociais são elementos fundamentais para a segurança durante sismos, complementando e, em muitos casos, superando a importância da resposta institucional.
O que me preocupa é podermos não ter uma cultura cívica que permita uma reflexão e ação de todos os cidadãos, decisores políticos e profissionais envolvidos desde a construção, para que adotem uma postura proativa na prevenção e preparação para sismos e para a resposta imediatamente após ocorrerem.
A resiliência de uma sociedade face aos sismos é um esforço coletivo, onde a responsabilidade começa em cada um de nós. Pode ser uma ideia desconfortável para alguns, mas essa eventual sensação de insegurança não deve ter como resposta a fuga, alheamento ou apontar o dedo e responsabilização de terceiros.
A segurança começa em si. Não espere que os outros o salvem. Prepare-se agora para poder salvar-se a si, aos seus e a quem mais o rodeia.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.