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OE2025 “deve dar um sinal” ao sector agrícola e em particular ao agro-alimentar

“Achamos que o sector cooperativo é pouco reconhecido pela tutela”, refere Idalino Leão em entrevista ao JE. Aproveita para elencar os principais problemas que afetam o sector – mas também a forma de os ultrapassar. Um dossiê entregue ao atual executivo, depois de também o ter sido à tutela anterior.
11 Setembro 2024, 07h30

O presidente da Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite (FENELAC), Idalino Leão, recorda que o sector agroalimentar é estratégico, inclusivamente para a defesa do espaço europeu – e, por maioria de razão, também para Portugal. E que, nesse sentido, deve ser um sector prioritário – que precisa de ter os mesmos apetrechos que a concorrência espanhola, nomeadamente em termos fiscais. Nesse contexto, afirma, em entrevista ao JE, que o Orçamento do Estado para o próximo ano – prestes a entrar em regime de debate político, é o lugar certo para o Governo dar um sinal inequívoco de apoio ao sector. “Se o Orçamento de Estado contemplar um aumento da dotação financeira para o Ministério da Agricultura, obviamente que, de uma forma direta ou indireta, todos os agricultores vão sair beneficiados. Seria um sinal”, considera.

 

O que vale atualmente o sector leiteiro em Portugal?

O sector leiteiro representa 10% de todo valor do ramo agrícola, e envolve um valor de mercado de cerca de 1.984 milhões (leite e derivados) e representa 648 mil postos de trabalho diretos e indiretos. O próprio primeiro-ministro perguntou-me recentemente se eram números reais. De facto, o sector pesa muito na balança em termos do PIB. E tem, no caso dos laticínios e no sector cooperativo, a Lactaogal, de que temos a honra de sermos fundadores – que é ‘só’ a maior empresa de leite e laticínios a nível ibérico – não devemos ter muitos casos em que uma empresa portuguesa é líder ibérica. Achamos que o sector cooperativo é pouco reconhecido pela tutela, precisamente por não acautelar a sua especificidade: tem um modelo de negócio diferente, tem uma matriz social e política diferente – e nós gostamos de assumir essa diferença. Não é um modelo perfeito e há obviamente coisas a corrigir.

Nomeadamente?

Ainda há pouco colocámos em cima da mesa o papel das cooperativas e do cooperativismo no desenvolvimento rural, e ficou claro – desde logo para o ministro da Agricultura, o porquê da diferença entre o sector agroalimentar de Portugal e de Espanha. Há 30 anos a esta parte, os sucessivos governos espanhóis têm um pacote específico – revisto de cinco em cinco anos – para o sector cooperativo e para o sector agroalimentar, porque assumiram que era estratégico e um desígnio nacional.

É isso que falta em Portugal?

É isso que nos falta. Temos batalhado muito sobre este aspeto: falta assumir o sector agroalimentar como um verdadeiro desígnio nacional – esquecendo que temos uma dependência da nossa balança comercial cada vez maior. Já deviam ter tocado as sirenes nas respetivas tutelas – porque é uma questão nacional: não mexe só com o sector agrícola, mexe com a Economia, com a Coesão. Até porque há episódios extra-fronteiras que devíamos começar a acautelar: há bem pouco tempo, passámos por uma pandemia que teve consequências. Por duas vezes, o Estado pediu aos portugueses para ficarem confinados em casa e isso só foi possível porque todo o sector agroalimentar continuou a trabalhar para que os portugueses continuassem a alimentar-se. Não tivemos direito ao confinamento, continuámos a trabalhar. Se houve um momento para sermos reconhecidos, seria aquele. Ouvimos palavras que nos encheram o ego, mas foram só palavras.

As palavras ainda não têm o dom de encherem as tesourarias.

Exatamente. A consequência prática não aconteceu. No caso espanhol – um colosso agro-alimentar a nível mundial e o nosso principal concorrente – não foi assim. A verdade é que o nosso mercado único vai até aos Pirenéus. E se partimos tão atrás do nosso concorrente direto, perdemos competitividade. E quando digo atrás, falo de um pacote de ajudas que seriam necessárias para as cooperativas agrícolas se reestruturarem a nível de recursos humanos – por exemplo fixação de talento – a nível de infraestruturas e a nível de ganhos de escala, se for essa a vontade dos seus associados. Os espanhóis fizeram isso – mas nós não fizemos nada.

Mas todas as necessidades estão identificadas.

Está tudo identificado. Entregámos ao anterior Governo um dossiê completo medida a medida, tudo quantificado em termos de recursos financeiros.

Tem esse valor?

Preferia não o divulgar.

O dossiê terá sido enfiado numa gaveta.

Não sei, não quero especular. Criou-se um grupo de trabalho, mas nada avançou. Na primeira reunião que tive com o atual ministro da Agricultura, voltámos a entregar o dossiê. Na minha perspetiva, deve criar-se um programa multi-fundos, precisamente pela especificidade territorial da agricultura – o país é pequeno mas temos várias agriculturas. E temos duas diferenças face aos nossos vizinhos espanhóis que nos colocam muito atrás: os custos fixos associados à energia (gasóleo e eletricidade) – no caso do gasóleo estamos a falar de uma diferença de 30 cêntimos, que, no final do ano, é uma barbaridade; e um equilíbrio fiscal no tratamento dos produtos agroalimentares, num contexto ibérico. Sendo um mercado ibérico, devia haver alguns equilíbrios ibéricos – que não há.

O que propõe?

Seria preciso fazer uma revisão fiscal em muitos dos nossos produtos agroalimentares. Sei que a Federação da Indústrias Portuguesas Agroalimentares (FIPA) também partilha desta opinião e tem feito muitas démarches nesse sentido. É preciso lembrar que temos uma guerra às portas da Europa – o que provocou um boom dos fatores de produção que tivemos que passar para os consumidores – e há consumidores que conseguem comportar esse aumento e há outros que não. É importante que os nossos governantes comecem a acautelar o sector: a produção de alimentos na Europa faz parte da nossa defesa, da nossa soberania. E não faz sentido a União Europeia estar a definir regras para os agricultores europeus (uso de pesticidas, bem-estar animal, legislação laboral), quase a impedir a sua atividade, e depois comprar esses mesmos produtos em outras partes do mundo que não cumprem nada disso.

Isso é transversal a todos os sectores.

É. E preocupa-me que a Europa continue com este registo. Aperta, aperta, aperta. Temos a preocupação de sermos os primeiros a diversos níveis – por exemplo em deixar de emitir gazes com efeito de estufa – mas não vejo nenhum bloco mundial preocupado em vir em segundo! E isso assusta-me.

Só há duas respostas: ou fechamos fronteiras, ou obrigamos os produtores externos a cumprirem as mesmas regras. Mas os consumidores não acompanham esta necessidade, uma vez que não estão disponíveis para pagar o acréscimo de preços que isso comportaria.

Vou dar-lhe um exemplo. Quando se fala de economia circular, é um termo que muitos dos nossos governantes gostam de utilizar, mas não gostam de concretizar. Para contribuir para a economia circular, devíamos fazer todo o círculo do produto – desde a produção ao consumo. E fomentar políticas que alavancassem esses produtos agro-alimentares. Exemplo prático: as autarquias em Portugal receberam competências na gestão das cantinas; mas o código da contratação pública coloca-lhes um espartilho de regras em que o fator decisivo na aquisição dos produtos é o preço. Não seria mais sensato olhar-se para o código – na Assembleia da República – e introduzirem variáveis como por exemplo a distância entre a produção e o consumo como sendo um fator distintivo?

Aí está: os espanhóis fazem uma discriminação positiva há muito tempo.

Os espanhóis… costumo dizer que só precisamos de copiar, não precisamos de inventar nada. A Europa não pode querer que sejam somente os agricultores a pagar as ambições ambientalistas do bloco – acho que devem ser todas as fileiras. Mas há ainda a questão geracional.

Que, no caso da agricultura, é prevalecente.

A Europa é um continente envelhecido – Portugal está ainda mais envelhecido. E os produtores ainda mais. A questão geracional é o maior falhanço da PAC. Não me recordo de nenhum governante não ter dito que queria apostar nos jovens – mas os números falam por si. Era fundamental que houvesse estímulos, não só financeiros, para que pelo menos os filhos dos produtores de leite continuassem na atividade. Era importante que houvesse o estímulo a uma reforma antecipada dos produtores de leite, sem penalizações, desde que fizessem uma transição para os filhos – que, por sua vez, deveriam aceder a uma linha de financiamento de médio-longo prazo para a modernização, no caso de ser necessário. Repare, no caso concreto da Agros, com menos de 50 anos já só somos 14%. Daqui a dez anos, quantos estaremos a produzir?

Suponho que tudo isto faz parte do ‘caderno de encargos’ já apresentado ao atual Governo…

Sim.

Que resposta já obtiveram ou estão à espera de obter?

É um projeto plurifundos. Temos falado com o ministro da Agricultura, o nosso principal interlocutor, mas temos envolvido outros ministérios. O Governo ainda tem pouco tempo – mas tenho a expectativa, até pela sensibilidade e conhecimento que este ministro, José Manuel Fernandes, tem dos fundos comunitários, que nos consiga encontrar as soluções que precisamos.

Diria que essas expectativas são consubstanciáveis no Orçamento do Estado para 2025?

Gostaria de já ver aí alguma coisa. Gostava que o OE25 desse já um sinal daquilo de que estamos a falar.

Qual seria esse sinal? O aumento do orçamento para a tutela?

Isso seria sempre bem-vindo. Se o Orçamento do Estado contemplar um aumento da dotação financeira para o Ministério da Agricultura, obviamente que, de uma forma direta ou indireta, todos os agricultores vão sair beneficiados. Seria um sinal. Mas seria também um sinal, no caso dos custos fixos da energia, se víssemos alguma aproximação ibérica.

A União Europeia está a mandar parar com o financiamento da energia enquanto custo de produção.

Quando achamos que é impossível, dizemos que Bruxelas não deixa. Mas Espanha consegue.

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