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Bloco católico do Sul da Europa ganha peso em Bruxelas com espanhola a liderar guerra contra grandes tecnológicas

Teresa Ribera foi uma das responsáveis pela criação pela “exceção ibérica” na crise energética após a invasão da Ucrânia. Vai agora liderar a transição climática na Europa e enfrentar a ira das tecnológicas nos vários processos interpostos por Bruxelas. Países do sul da Europa ganham peso em Bruxelas com pastas mais relevantes.
Pool Moncloa / Fernando Calvo
18 Setembro 2024, 07h30

Há 500 anos que uma mulher espanhola não tinha tanto poder na Europa. Da nomeação da socialista espanhola Teresa Ribera para um dos mais importantes cargos da nova Comissão Europeia, é preciso recuar até ao final do século XV quando a rainha consorte Isabel I de Castela (filha de Isabel de Portugal, rainha de Castela) dominava uma boa parte da Península Ibérica e do mundo (com a ascensão do império espanhol), em conjunto com o rei Fernando, numa dupla que ficou conhecida para a história como os reis Católicos. 

Teresa Ribera vai ser a segunda mulher mais poderosa da Europa a seguir a Ursula von der Leyen. Fica com a pasta da Transição Climática e também com a Concorrência, onde sucede à toda-poderosa Margrethe Vestager, a política dinamarquesa que inspirou a personagem da primeira-ministra da série Borgen. A política espanhola vai ficar responsável pela luta contra o domínio do mercado pelas grandes tecnológicas norte-americanas: Apple, Amazon, Google ou Meta. 

Analisando a distribuição de pelouros na nova Comissão Europeia, a presidente da Comissão Europeia deu os cargos mais económicos e industriais aos países com políticas mais intervencionistas, o que poderá ser uma tábua de salvação para a economia europeia, apenas uma semana depois de Mario Draghi apresentar o seu plano de fomento, onde pede mais ação à Europa para combater o domínio chinês e norte-americano. 

O bloco católico do sul da Europa, França, Espanha e Itália aplica políticas intervencionistas nas suas economias e tem exigido mais gastos conjuntos, regras orçamentais mais flexíveis e mais política industrial. 

Além de Teresa Ribera com a Transição Climática e Concorrência, o francês Stéphane Sejourné vai ser vice-presidente para a Prosperidade e Estratégia Industrial, enquanto o italiano Raffaele Fito fica como vice-presidente para a Coesão e Reformas. Já a portuguesa Maria Luís Albuquerque vai ficar com a pasta dos Serviços Financeiros. 

A estratégia da nova Comissão deverá mudar, salienta o “Financial Times”: do foco da descarbonização para dar prioridade ao crescimento económico e aumento dos gastos com defesa em altura de tensões geopolíticas com a Rússia. No entanto, a presidente comunitária garante que não vai descurar a luta contra as alterações climáticas. 

O gaulês vai ficar responsável por conduzir uma política industrial com base na inovação e mais investimento; já o transalpino vai gerir os fundos de coesão no valor de milhares de milhões de euros que procuram mitigar o fosso entre os países mais ricos e os mais pobres. 

Enfrentar as grandes tecnológicas 

Teresa Ribera não vai ter vida fácil na sua outra pasta, onde vai ter de enfrentar as grandes tecnológicas norte-americanas, as maiores empresas do mundo, com muito dinheiro para litigar qualquer decisão de Bruxelas. 

A ex-comissária para a Concorrência, a dinamarquesa Margrethe Vestager, tinha a Apple, Google e Meta no seu alvo por falharem em cumprir o Digital Markets Act. 

Recentemente, Bruxelas teve duas grandes vitórias: o Tribunal Europeu de Justiça rejeitou os recursos da Apple e da Google. A primeira vai ser obrigada a devolver 13 mil milhões de euros em impostos à Irlanda; no caso da segunda, vai ter de pagar 2,4 mil milhões por violar regras anti-concorrenciais devido ao seu serviço de compras. 

Debaixo da sua mira também deverá estar o crescimento da inteligência artificial e o seu impacto no domínio do mercado pelas ‘big tech’. 

Por outro lado, deverá acelerar a caça aos subsídios dados por estados externos à UE para as suas empresas comprarem empresas europeias. 

Além das grandes tecnológicas, a política espanhola vai ter de supervisionar bancos e companhias aéreas, com o poder de aprovar ou vetar operações de milhares de milhões de euros de grandes empresas. Por outro lado, vai ter também o poder de aplicar coimas multimilionárias a grandes multinacionais que não cumpram as regras da concorrência, incluindo tentar afastar rivais mais pequenos ou fixar preços, destaca a “Reuters”. 

A pasta da Concorrência dá a Espanha uma “posição compatível com a importância estratégica que tem o país, para ter alguma diversidade da composição do colégio”, disse o economista Sandro Mendonça.

Mas acumular duas pastas importantes “pode ser um presente envenenado para a espanhola não poder concentrar-se no seu core business que são as coisas verdes. Estão ali componentes muito difíceis de compatibilizar. É possível que a área da concorrência tenha um ritmo natural dos processos que vêm de trás, que vão consumir muita atenção, e isso pode esvaziar um bocado… pode consumir atenção estratégica para a área da transição limpa, para neutralizar uma agenda”, afirma o professor do ISCTE-IUL apontando que o Partido Popular Europeu (PPE) “também quer esta área verde”, especialmente depois do plano Draghi.

O relatório Draghi “aposta muito na escala, para um dimensionamento das operações que sejam grandes”, com o plano a apontar que “tem havido muita regulamentação e que é preciso facilitar as fusões e aquisições para aproveitar escala”.

Mas isso “não é o que se ouve falar na política da concorrência, que quer participantes plurais e com poderes não demasiado dominantes. Esta parte está a ser posta em causa tanto pelo relatório Letta como pelo relatório Draghi. Os ventos estão a soprar para outra direção”, apontou.

Dá também o exemplo do sector das telecomunicações, onde o plano Draghi defende uma maior consolidação do mercado europeu, onde existem mais de 30 operadores, contra os três cada que existem na China e nos EUA, países onde “os preços são mais altos e a qualidade mais baixa” fruto desta consolidação do mercado e menor concorrência. “O plano do Draghi está muito bem, mas nas telecomunicações está errado”, afirma o ex-vogal do regulador Anacom.

Nas plataformas tecnológicas, critica a aposta em plataformas com “origem numa geografia”, referindo-se aos EUA, enquanto se “diminui a pluralidade e a concorrência” ao limitar-se outras plataformas como o Tik Tok e o Telegram.

Quem era Isabel I de Castela?

De Isabel I sabe-se que tinha os olhos verdes como a sua avó (Filipa de Lencastre, a inglesa que foi rainha de Portugal) e que não se limitava a ser uma rainha consorte, tomando o poder em suas mãos, se bem que nos bastidores. 

O historiador britânico Giles Tremlett considera-a “a fundadora de um pequeno clube de mulheres cuja influência espalhou-se além das fronteiras dos seus países, incluindo Elisabete I de Inglaterra, Catarina A Grande da Rússia e Maria Teresa da Áustria. Apesar de todas estas mulheres serem fortes, nenhuma teve um efeito tão duradouro como Isabel”, escreveu no “History Extra”, o portal da “BBC” dedicado à história. 

Os reis católicos uniram Aragão e Castela criando Espanha, expulsaram os mouros da Ibéria, financiaram a viagem de Cristóvão Colombo que descobriu as Américas, o que marcou o início do império espanhol. Mas nem tudo foram rosas: ordenaram a expulsão dos judeus de Espanha (160 mil) e deram início à sangrenta Inquisição Espanhola (que provocou entre 30 mil a 300 mil mortos). 

A reconquista terminou com a queda da cidade de Granada o que marcou também o fim da ocupação moura da Ibéria ao fim de oito séculos. Para a história ficaram as palavras da mãe de Boabdil, ou Maomé XII, o último sultão da cidade andaluza: “Chora como uma mulher pelo que não soubeste defender como um homem”, terá dito Aixa, segundo a lenda. Boabdil rendeu-se aos reis católicos e teve permissão para exilar-se em Marrocos. 

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