O fecho do orçamento2025 resultará de um jogo rocambolesco com muitas nuances. Não é o interesse nacional que comanda o processo da sua elaboração e discussão. O que move os agentes políticos causadores da instabilidade, ao contrário do que muitas boas almas, por vezes genuinamente apregoam, não é o evitar uma crise política ao País. O que os move é sair deste imbróglio de cara limpa e imagem retocada.

Os frenesins do Presidente são a imagem perfeita. Não há sítio onde vá, que não fale da viabilização do OE25, procurando passar a ideia de que o país, se governado por duodécimos, será uma tragédia. Tantos países na Europa o têm sido e não veio mal maior ao mundo. Melhor uma gestão por duodécimos, que integra muitas válvulas de escape para despesas necessárias, que um mau orçamento a abrir fissuras fundas na sociedade portuguesa. Mas, bem melhor, é um orçamento aprovado, que promova criação de riqueza e uma distribuição justa da mesma.

Entrando no debate de informação, já disponibilizada, do OE2025.

O OE tem duas peças centrais: enquadramento macro e OE propriamente dito.

Valor facial e real

1. O orçamento, grosso modo, é um documento com a previsão discriminada de receitas e despesas do Estado para um determinado ano civil.

O seu valor facial é atribuído por quem o faz – o Governo – na base de objectivos, suportados em políticas expressas ou subentendidas para os diversos domínios. O Governo dá sempre nota máxima ao exercício que elabora, independente da qualidade.

O valor real é bem diferente. É um “mix” qualitativo, resultante da opinião de uma multidão de agentes sociais e políticos, na maioria das vezes, com interesses contraditórios. De forma simples, as pessoas são influenciadas pelo desempenho das organizações políticas que o debatem no Parlamento, bem assim pelas posições manifestadas por sindicatos, patronato, comunicação social e outros.

Os valores facial e real do OE raramente se cruzam.

Uma variável que muito pesa na formação do valor real é a intuição que se gera na sociedade do seu contributo potencial para a redução ou ampliação das desigualdades sociais. A sociedade é deveras sensível a esta questão, embora muitas outras contem na avaliação do OE: saúde, educação, salários, segurança, …

Enquadramento macroeconómico

2. O enquadramento macroeconómico, também conhecido por cenário macro, constitui uma peça essencial, que está para além do próprio quadro orçamental do Estado. Nele se condensam os valores estimados das principais variáveis da economia no período. Presume-se, então, que incorpore uma informação sólida e sustentada sobre essas variáveis, o que significa que, na sua elaboração, foram considerados os impactos na economia portuguesa da evolução esperada nos diferentes espaços económicos mundiais, com relevo para o que se está a passar ou espera que se passe, com elevada probabilidade, de influenciar o período em análise.

Entre esses espaços tem de merecer especial atenção a União Europeia (UE) que, como sabemos, atravessa uma situação crítica na política, na economia, na segurança, com relevo para a França e Alemanha. Os dois motores da UE estão “a gripar” (política e economicamente) e em situação orçamental complexa. Quem admitiu alguma vez a Volkswagen altamente endividada e a fechar fábricas na Alemanha! O relatório Draghi, recentemente entregue à Comissão Europeia, traça uma imagem negra do panorama europeu em declínio sustentado em terreno competitivo.

O OE2025 pelos dados disponibilizados pelo Governo não foi merecedor de um trabalho técnico de qualidade. A informação do Programa de Estabilidade enviada para Bruxelas, em Abril último, elaborada num contexto de políticas invariantes como foi dito então e, na altura, compreensível, tendo o governo acabado de tomar posse, é praticamente a mesma do quadro macro que se conhece.

Ora, na situação presente, quando tanta coisa mudou no país porque foram tomadas ou anunciadas várias medidas pelo Governo e na Assembleia com impactos económicos, quando, como se referiu, a situação na União Europeia é crítica, apresentarem-se as mesmas taxas ou quase, seria uma coincidência improvável.  A taxa de variação do PIB nominal é a mesma (4,5%), a taxa real difere apenas em 0,1 pontos percentuais; a taxa de inflação difere quando muito de uma ou duas décimas, enfim…

O quadro macro apresentado é pobre, porque destituído de fundamentação técnico-económica e, por isso, sem interesse, como guia das potencialidades evolutivas da economia para 2025, para os agentes económicos, privados e públicos e, como tal, põe em causa a credibilidade do OE25.  Não se compreende este desleixo na elaboração de matéria tão sensível e importante. Desleixo ou incompetência?! Não foi, de certeza, por falta de capacidade técnica dos técnicos do Ministério das Finanças que os há de elevado nível. Este exercício, desprovido de “bases técnicas”, só pode ser imputado aos gabinetes e dirigentes políticos do Ministério das Finanças.

Filosofias subjacentes à criação de desigualdades sociais

3. Centremo-nos em dois temas fiscais que se apresentam cruciais na viabilização do OE25, o IRS Jovem e o IRC. Idealizemos os resultados da sua aplicação, segundo a filosofia dos modelos preconizados pelo Governo.

Segundo o que se vai ouvindo, o Governo estará num jogo de deixar cair o seu IRS Jovem por troca do IRC, aceitando algumas eventuais alterações, neste último, na linha do PS. Temos ouvido, por outro lado, que a medida do IRS Jovem é uma das baias “irrevogáveis” do CDS, certamente ao nível da recuperação de Olivença.

A materializar-se, o IRS Jovem, segundo a filosofia que o enquadra, irá cavar, no mínimo, um/dois fosso (s) sociais: um, em função da idade (mais e menos de 35 anos) e outro, consoante o montante dos rendimentos.

Exemplo. Um português com o vencimento mensal de 6000 euros e 35 anos ou menos pagará de imposto/ano 8497 euros. Outro português com mais de 35 anos pagará de imposto/ano 25718 euros/ano. Uma diferença de cerca de 17 mil euros. Que grande justiça tributária caçar a um português (azar, ter mais de 35 anos) quase três meses de vencimento num ano! Os cálculos não são meus, mas da PwC, publicados no “Público”.

Mais grave. Este não é o caminho para os jovens ficarem no país. Pensemos em certas profissões, a chamada emigração qualificada: enfermeiros, médicos, investigadores… que, com frequência, têm deixado o país. Não são uns quantos euros a mais, decorrentes de uma mais baixa fiscalidade, que os prenderão por cá. São as condições de vida, a progressão numa carreira estável. Um ambiente sustentado de vida e de trabalho. Ora, esta medida tributária, como está formulada, apenas cria tremendas desigualdades sociais, não inverte as razões de saída do país. Estar o país a investir no conhecimento para o “exportar” a custo zero é frustrante.

Estancar e erradicar esta anomalia através de novas vias de desenvolvimento é um verdadeiro desígnio nacional.  As medidas de fiscalidade terão certamente o seu lugar, mas não na base de filosofias que aprofundam os fossos das desigualdades. Precisam-se de planos integrados de desenvolvimento que puxem o país no mesmo sentido, ou seja, na criação de condições estáveis numa visão de bem-estar futuro.

Um OE25, com filosofias como esta, não serve o País, desacredita-o. Frusta as ambições de quem está atento.

(Nota: o IRC, por falta de espaço, será tratado em próximo artigo).