Com a redução da biodiversidade a atingir um máximo de 83% (desde 1970) nos ecossistemas de água doce, o restauro dos nossos rios deveria ser uma prioridade política, refletida desde já no próximo Orçamento do Estado. Neste dia em que se assinala o Dia Nacional da Água, realçamos a urgência de restaurar os nossos rios e os ecossistemas que lhes estão associados.

A Lei Europeia de Restauro da Natureza, em vigor desde 18 de agosto, determina o restauro de 20% dos ecossistemas degradados da União Europeia até 2030 (e de todos até 2050). Um primeiro passo para o restauro dos ecossistemas de água doce é deixarmos de explorar a água como se este recurso fosse infinito.

O exemplo mais flagrante de desrespeito pelos limites da natureza é o da agricultura: não é novidade que, em Portugal, o setor agrícola é responsável por mais de ¾ do consumo de água. A agricultura intensiva pode existir onde haja capacidade natural para tal (solos férteis e profundos, água em quantidade e qualidade suficientes), mas terá de ser limitada e adaptada onde essa capacidade não exista. Perceber os limites da água é fazer coexistir os sistemas extensivos e de sequeiro, recompensando os que preservam os serviços de ecossistema e penalizando as atividades que prejudiquem este recurso. Este é um passo essencial para que a agricultura se adapte às alterações climáticas, ao invés de reclamar por mais água que não existe.

E quando a nossa visão extrativista é levada ao limite, o preço a pagar é por demais elevado. Rios degradados, pouca disponibilidade de água, declínio das espécies e destruição de habitats. É neste cenário que o restauro fluvial surge como a solução mais eficaz. Ao restaurarmos os ecossistemas de água doce – rios, lagos, paúis ou pântanos, riachos, ribeiras – revitalizamos a biodiversidade, as funções ecológicas e os serviços ecossistémicos que esses habitats fornecem.

Restaurar os ecossistemas de água doce passa por eliminar fontes de poluição; recuperar margens e habitats ribeirinhos, para melhorar a qualidade da água e fornecer abrigo à biodiversidade; remover espécies invasoras e reintroduzir plantas e animais nativos, reabilitando interações ecológicas; remover barreiras artificiais (começando pelas obsoletas) para que água, biodiversidade, nutrientes e sedimentos possam circular livremente – esta é aliás considerada a medida mais barata de restauro fluvial, dados os elevados custos de construção, manutenção ou reparação destas estruturas, e a capacidade de os rios se autorregenerarem.

Qual o resultado? Rios saudáveis, resilientes e funcionais, que possam sustentar a vida selvagem, assegurar um ciclo natural da água e fornecer os serviços de ecossistema que lhes estão associados – os rios são as veias do nosso planeta, e o seu valor é incalculável para as pessoas e para a natureza.

Entre estes benefícios estão o fornecimento de água com mais qualidade, menor risco para a segurança de pessoas e bens (devido ao risco de colapso das estruturas obsoletas), aporte de nutrientes aos estuários e lezírias, suportando a produtividade das espécies pesqueiras e dos campos agrícolas, e aporte de sedimentos às zonas costeiras evitando gastos com recargas artificiais das praias.

Precisamos de investir no restauro ecológico dos nossos rios, para o qual muitas empresas também podem contribuir no âmbito da sua responsabilidade social corporativa, e de ter uma sociedade civil forte que apoie a saúde dos nossos rios e um ciclo da água mais próximo da Natureza e das pessoas. Para o bem de todos.