Abrandamento do crescimento da economia global, inflação teimosamente lenta e um Brexit que provoca mais perguntas que respostas. Meras semanas após o fim das compras líquidas no programa de aquisição de ativos da zona euro, o Conselho de Governadores do Banco Central Europeu (BCE) reúne esta quinta-feira para discutir como reagir a novos riscos que trazem incerteza ao processo de normalização da política monetária.
“A reunião deverá ser parca em ação, mas generosa em termos de debates controversos e perguntas desafiantes”, segundo os analistas do banco de investimento holandês ING. “Os sinais de que a recente perda de momentum [na economia da zona euro] estará a chegar ao fim são poucos, a turbulência persistente sobre um Brexit sem acordo e a pressão inflacionária quase inexistente levam a que os alertas para o BCE regresse a um ‘modo de crise’ estejam a aumentar”.
Os analistas são consensuais: o arrefecimento da expansão económica na zona euro deverá ser um dos temas principais que os governadores irão discutir na reunião mensal.
Queda sincronizada nas quatro principais economias
Franck Dixmier, global head of fixed income da Allianz Global Investors (GI) recorda que, no quarto trimestre de 2018, a desaceleração afetou cada uma das quatro principais economias da região: Alemanha, França, Itália e Espanha.
“Cada uma está a enfrentar dificuldades específicas, mas as quatro tiveram uma queda sincronizada nos indicadores de atividade, incluindo os dados do índice de gestão de compras (PMI)”, explica. “Além disso, a inflação-base, indicador de referência para o BCE, está a estagnar por volta de 1% – longe da meta menor do banco central, mas próxima, de 2%”.
A travagem da economia da zona euro foi especialmente visível nos indicadores do setor da manufatura e no comércio internacional, devido a fatores externos, refere a equipa de research do BBVA. “A confiança na indústria piorou devido ao aumento da incerteza sobre o crescimento mundial, o protecionismo e o Brexit, e acabou por se espalhar também a outros setores.
Num discurso no Parlamento Europeu a 15 de janeiro, Mario Draghi, presidente do BCE, disse que a pergunta a colocar é se estamos a ver um abrandamento ou uma recessão. A resposta, segundo o italiano, é ‘não’ – é uma desaceleração que não caminha em direção a uma recessão.
Draghi alertou, contudo, que essa desaceleração poderá durar mais que previsto, dando um muito ligeiro sinal sobre uma mudança de posição. Tendo em conta que os dados continuam a desiludir e que as projeções sobre a economia da zona euro continuam a ser revistas em baixa, por exemplo as divulgadas pelo FMI esta semana, o que esperar da evolução da política monetária nos próximos tempos?
Segundo Franck Dixmier, da Allianz GI, “a normalização gradual da política monetária do Banco Central Europeu (BCE) deve prosseguir, mas a desaceleração económica da zona euro vai adiar quaisquer aumentos de juros, sendo a janela de oportunidade cada vez mais estreita”.
Draghi tem reiterado que o banco central vai manter as taxas de juro nos atuais mínimos históricos até após o verão deste ano, o que inicialmente levou os analistas a apontar para uma primeira subida em outubro. No entanto, essa data parece cada vez mais improvável.
“Os investidores estão na dúvida e aumentaram as suas expectativas de uma primeira subida na taxa dos depósito para o segundo semestre de 2020. O BCE dificilmente poderá atuar num contexto de desaceleração económica, mas ao esperar demasiado, pode enfrentar outros ventos contrários – a Reserva Federal norte-americana pode reduzir os seus juros em 2020, conforme previsto pelos mercados há alguns dias”, explica Dixmier.
Normalização lenta
Os analistas do BPI salientam que na ausência de sinais claros que indiquem uma mudança abrupta de cenário, o BCE irá gerir as expetativas dos investidores sobre a primeira subida de taxas e o ritmo subsequente. “A retirada de estímulos é um processo lento. Uma comunicação clara que torne as decisões do BCE previsíveis e permita gerir as expetativas e garantir uma normalização ordenada é fundamental”, referem.
Em termos práticos, não deverá haver anúncios de mudança na política monetária após a reunião de quinta-feira, mas Draghi poderá utilizar a oportunidade para gerir as expetativas e mudar ligeiramente a nuance da posição do BCE sobre certos temas.
Os analistas do BBVA prevêem que o italiano poderá confirmar que o equilíbrio do risco pende agora para o lado negativo. “O tom cauteloso poderá ser reforçado após a desilusão dos dados, com alguma moderação das expetativas da inflação e aumento dos riscos”.
Em relação ao guidance sobre o primeiro aumento das taxas de juro, deverá permanecer inalterado, pelo menos por enquanto. Os analistas do ING frisam que apesar da quebra no momentum, o BCE parece querer seguir a ideia que a a economia da zona euro está numa fase intermédia de desaceleração, mas não a contrair.
“Isso quer dizer que, na nossa visão, o BCE irá jogar com o tempo… portanto esperamos que Mario Draghi deixe o guidance sobre as taxas inalterado”, explicam, adiantando que “dado que é improvável que as incertezas externas se resolvam em breve, acreditamos que o banco central irá esperar pelo menos até à reunião de junho para alterar esse guidance“.
Dado o abrandamento da economia e aumento dos riscos negativos, a hipótese de o BCE andar “de forma sonâmbula” para a próxima crise aumentaram, acrescenta os analistas do ING.
“Por enquanto, no entanto, ser um cool dude que está em alerta elevado em vez de entrar em pânico e ação impulsiva parece ser a estratégia correta”, afirmam.
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