Na apresentação do seu Relatório sobre o futuro da competitividade europeia, Mario Draghi afirma, sem qualquer preocupação de dourar a pílula, que a Europa deve abandonar a ilusão de que só a procrastinação pode preservar o consenso. E diz mesmo mais, que a procrastinação apenas produziu menor crescimento e nenhum consenso adicional.

Num contexto em que se vem afirmando uma tendência para o baixo crescimento na Europa, uma perda acentuada de dinâmica da produtividade e, sobretudo uma incapacidade de acompanhar o progresso tecnológico de ponta, comparativamente ao seu aliado do outro lado do atlântico e à China, estas palavras devem ser compreendidas em todas as suas implicações, particularmente vindas de alguém que tem a seu crédito – e não corremos qualquer risco de exagerar – a salvação do projeto do euro, num contexto em que tudo se estava a encaminhar para uma implosão da Europa em resultado da cega e contra apropriada política económica restritiva, particularmente no contexto das políticas orçamentais.

Mario Draghi esteve para a política económica europeia recente, como Marriner Eccles esteve para a política económica americana, nos anos 30 do século passado, quando o sistema económico e financeiro quase soçobrava na sequência das más políticas, igualmente restritivas, adotada pelos responsáveis económicos da altura, ainda resultantes do governo do Presidente Herbert Hoover (1929-1933).

Hoover perde as eleições para Roosevelt em 1932 e um novo paradigma económico emerge onde Eccles, chamado para liderar o banco central americano, tem um papel decisivo na elaboração de uma nova política económica anti recessiva e expansionista – o famoso New Deal – antecipando, na prática, a futura teoria Keynesiana. Um novo paradigma que, não só conseguiu dar resposta imediata aos efeitos dramáticos da crise dos anos 30, como, inclusive, prolongar-se na arquitetura de todo o sistema monetário e financeiro de Bretton Woods – onde Eccles, igualmente, teve um papel determinante – que iria marcar a recuperação e a expansão da economia mundial no período do pós-guerra, até ao início dos anos 70, quando outra crise de grandes proporções se manifesta.

Com a chamada política monetária não-convencional, Draghi recupera, de certa maneira, as grandes ideias de política monetária postas em prática por Eccles e, também como este seu antecessor, está agora na origem de uma proposta de um novo paradigma para a Europa que pretende ser uma resposta sustentada e coerente aos desafios que as transformações em curso na economia global colocam. Não apenas no plano interno, mas também no relacionamento da Europa com o novo mundo que se está a afirmar.

Não é agora que iremos discutir as medidas propostas por Draghi, o que deixaremos para outra oportunidade. Queremos apenas chamar a atenção para a importância do termo usado no Relatório para caracterizar a atitude da Europa face à gravidade da situação: procrastinação.

O termo, em traços diretos, significa adiamento sistemático de decisões que são necessárias. O que, infelizmente parece ser uma prática comum, não só em Portugal, de que o caso do Novo Aeroporto de Lisboa será o exemplo mais paradigmático, mas também na Europa no seu conjunto que, nas duas ou três últimas décadas, como enfatiza Draghi, se tem limitado a gerir consensos, recusando-se a procurar soluções estruturais que implicam a adoção de uma perspetiva de médio e longo prazo.

É caso para dizer, “A Europa connosco”… na procrastinação!