De repente, a propósito de uma resposta concreta aos problemas de saúde mental dos estudantes, iniciou-se um debate que seria difícil imaginar há poucos anos, mesmo que um debate com pouca abrangência. A introdução do cheque-psicólogo divide opiniões: para uns, é a resposta tão aguardada que promete aliviar o sofrimento psicológico dos jovens; para outros, não passa de uma solução superficial que ignora as raízes profundas do problema. Vivemos tempos de extremos, onde cada solução política é vista com desconfiança por uns e como salvação por outros. O cheque-psicólogo não é exceção.

Mas afinal como chegamos aqui? Em pleno século XXI, é alarmante constatar que a espera por uma consulta de psicologia no Serviço Nacional de Saúde (SNS) possa atingir um ano ou mesmo superar este número (não é muito diferente, para melhor, na grande maioria dos países do Mundo). Todavia, hoje estamos todos muito mais despertos para a desadequação da situação e para a necessidade de termos soluções. Esta realidade expõe não só a escassez de profissionais e recursos materiais, mas também a incapacidade do sistema em responder a uma crise de saúde mental que parece não parar de crescer.

Estudantes do ensino superior enfrentam níveis sem precedentes de ansiedade, depressão e stresse. Exacerbados por pressões académicas, contexto socioeconómico, pelos efeitos da pandemia e, mais recentemente, pela crise da habitação. Em Portugal, mais de metade da população tem dificuldades em ter acesso aos serviços de psicólogos por razões financeiras.

O cheque-psicólogo emerge neste contexto como uma iniciativa governamental destinada a mitigar o acesso limitado a cuidados de saúde mental. Particularmente, numa população que enfrenta desafios de desenvolvimento e passagem para a vida adulta, por exemplo ao nível da autonomia, mas também numa fase de vida onde é mais comum o aparecimento de várias perturbações mentais e de personalidade. De facto, para muitos jovens com quadros leves de ansiedade e depressão, esta medida representa uma oportunidade importante de obter apoio profissional que, de outra forma, estaria fora do seu alcance financeiro.

Mas cuidado. O cheque não resolve tudo. Não pode. Não deve.

O cheque-psicólogo oferece esta oportunidade a muitos estudantes, mas não é uma solução milagrosa e uma resposta para todos ou para todo o tipo de situações. As suas limitações são ilustradas pelos casos mais graves, como perturbações psicóticas ou comportamentos aditivos, que  continuam a necessitar de respostas mais robustas, alicerçadas em serviços permanentes, acessíveis de forma universal e preferencialmente multidisciplinares; ou pela limitação do número de sessões, estabelecido com base em evidência científica, mas que é um número médio, podendo existir casos que necessitem de mais, cujas respostas têm de ser encontradas pelas estruturas de resposta existentes. Tentar que respondesse a tudo seria reduzir a segurança e a efectividade da sua utilização.

Assim, esta é uma medida positiva, pois complementa lacunas de respostas existentes, mas que não pode substituir essas respostas ou as que são necessárias ainda construir. Mas essas limitações não apagam o benefício de melhorar o acesso para alguns casos nesta população. Não é o mesmo que nada. Não é pior a emenda que o soneto. É mesmo positivo.

Desde que… não se interrompa o investimento noutras medidas com os requisitos já acima elencados. Não podemos deixar que a desconfiança e insegurança de décadas de muito pouca acção turvem a visão do que agora acontece. Os 40 projectos de prevenção e de promoção da saúde mental, com financiamento do PRR e que serão implementados por 40 instituições do ensino superior, de modo a reforçar os serviços de psicologia (para actividades que promovam o desenvolvimento de competências sócio emocionais, por exemplo), têm de ser concluídos, ultrapassando mais rapidamente os entraves burocráticos (o ano lectivo já começou).

Estamos numa corrida contra o tempo. E só com mais psicólogos nas linhas da frente podemos começar a reduzir a lista de espera de um ano no SNS. Primeiro concluindo as 100 contratações deste ano e depois avançando para chegarmos a 300 no total, em 2025. O Governo actual já reiterou estes compromissos, é agora preciso que se cumpram.

Além disso, o carácter temporário e limitado do cheque-psicólogo levanta preocupações compreensíveis sobre a continuidade dos cuidados. Contudo, o próximo orçamento do estado, cuja proposta de Governo foi já entregue no parlamento, prevê a continuidade desta medida.

Sendo assim, há que alertar para o facto de o cheque não ser mágico. Não basta um cheque; é preciso garantir que as respostas no SNS e nas universidades sejam capazes de sustentar o bem-estar psicológico dos estudantes a longo prazo. Isto implica investir na contratação de mais psicólogos para o SNS, reforçar os serviços de psicologia nas instituições de ensino superior, e desenvolver políticas públicas que promovam a saúde mental de forma integrada, ou seja, envolvendo as práticas pedagógicas e as intervenções em variáveis do contexto sócio económico.

Se é um facto que o cheque não é mágico, também me parece adequado dizer que o cheque-psicólogo é um passo na direção certa, mas para garantir o acesso universal aos serviços que promovem a saúde mental, precisamos de um SNS robusto e de respostas que vão além de medidas temporárias, remediativas e focalizadas. É crucial que esta iniciativa seja vista como um complemento, e não como a solução ampla e definitiva. A saúde mental é um pilar fundamental do desenvolvimento humano e económico do país; investir nela é investir no futuro de Portugal. Investir nela priorizando os mais jovens é investir ainda melhor.

O cheque-psicólogo é um passo. Mas se não continuarmos a investir, será apenas isso: “um passo”. Precisamos de um SNS robusto e de políticas que vejam a saúde mental não como uma questão de hoje, mas como o pilar de um futuro mais saudável para os nossos jovens e para o país.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.