A Inteligência Artificial (IA) é fonte de conhecimento. Como a transformação digital é o resultado das intenções estratégicas das organizações, interessa saber em que medida o acesso ao conhecimento possibilitado pela IA vai dar origem a um novo equilíbrio organizacional.

Só alcançamos a vantagem competitiva se possuirmos um conhecimento específico relevante que não esteja ao alcance da concorrência, pois essa vantagem é tão só a exploração rentável dessa mesma imperfeição de mercado. Ora, todos os dados explícitos e acessíveis na internet são passíveis de ser difundidos publicamente, pelo que o acesso a esses mesmos dados não é por si só factor de vantagem competitiva, precisamente por estarem ao alcance de todos. À partida, parece que estes dados só podem ser usados como ponto de paridade em vez ponto de diferenciação. Mas se empresas há que conseguem ter sucesso estratégico na Web, qual é o segredo? Encontramos a resposta no conhecimento tácito.

Na verdade, o que conta é a aprendizagem. Por exemplo, as empresas que venceram na Web foram as que conseguiram construir conhecimento específico e com utilidade suficiente para permitir a geração de receitas. Várias são as técnicas para o conseguir, mas essa discussão terá de ficar para outro artigo, pois o que nos interessa aqui é a IA em particular, e o seu impacto na transformação digital.

Em primeiro lugar, a IA, tal como a utilizamos hoje, não é simplesmente um motor de conhecimento, pois é também uma interface, e é por isso que chamamos chat (conversa) aos modelos de IA generativa que conquistaram o mundo. Foi o que fez a diferença, pois torna estas ferramentas extremamente convenientes, por serem usadas em linguagem natural. Tal passou a ser possível porque a IA tem agora o poder extraordinário de ir muito mais longe que os antigos motores de inferência, porque tem o poder de explicitar elementos tácitos sem qualquer contexto prévio.

Antes, só o Big Data tinha a capacidade de tratar informação não estruturada, mas sem conseguir construir contextos em tempo real exclusivamente a partir de dados dispersos. Já a IA generativa é capaz de conversar connosco e seguir as nossas instruções a partir de contextos criados no momento da interacção, o que parece verdadeiramente mágico.

Assim, tal como com as tecnologias anteriores, o que vai fazer a diferença não é a sua utilização, mas a forma como vamos aprender mais, melhor, e mais rapidamente. Como a aprendizagem organizacional é um processo tácito por definição, em particular quando envolve pessoas, vai ser essa a tábua de salvação estratégica para o posicionamento ganhador das futuras propostas de valor. Chama-se Gestão do Conhecimento e nunca foi tão importante como hoje.

É uma dança orquestrada no tempo, entre o conhecimento tácito e explícito, e com processos conhecidos por externalização e internalização. Ganha quem souber gerir os recursos técnicos e humanos de forma integrada para criar as competências de aprendizagem que vão fazer a diferença. Afinal, com a IA, mais importante que o conhecimento que esta manipula, é saber usá-la para aprender. Vai ser essa a transformação digital estratégica para todas as organizações.

Estamos hoje a assistir à transformação das actividades em cada posto de trabalho que pode beneficiar do conhecimento da IA, seja (i) pela automatização de actividades, seja (ii) pela capacidade conversacional da ferramenta, seja (iii) pelo aumento do conhecimento explícito disponível. É apenas o início, pois todas as organizações podem fazer o mesmo e ninguém quer ficar para trás. Será, portanto, normal ver a injecção desse mesmo conhecimento nos processos, originando aumentos de eficiência ou mesmo de eficácia.

Mas o verdadeiro impacto estratégico virá das diferenças entre os níveis de conhecimento dos participantes em cada ambiente competitivo. Temos, aliás, de pensar, ao mesmo tempo, nas cadeias de valor e nos ecossistemas, e é isso que torna o exercício tão interessante. Ora, como o conhecimento depende da aprendizagem, e esta, ao incluir o elemento humano, é essencialmente tácita, a transformação digital estratégica vai depender de como vai ser gerida essa mudança. Consequentemente, com base nesse conhecimento tácito, podemos tirar duas conclusões quanto à transformação digital que nos interessa.

A primeira conclusão é a da importância estratégica das pessoas. Aqui, o que vai fazer a diferença não é a tecnologia, mas a forma como as pessoas acrescentam valor ao referido processo de aprendizagem. Quanto mais comum se torna a tecnologia, mas importante se tornam as pessoas.

A segunda conclusão é mais subtil. Enquanto a externalização está essencialmente no silício das máquinas, a internalização está no carbono das pessoas. Estas últimas só adquirem o tal “saber de experiência feito” quando as condições emocionais são adequadas.

Em suma, num mundo cada vez mais tecnológico, vai ser a liderança das emoções na gestão do conhecimento a fazer a diferença. No fim de contas, as emoções humanas são o elemento mais importante na transformação digital estratégica impulsionada pela IA.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.