A crise da habitação em Portugal é uma realidade que afeta profundamente a população, e sem sinais de resolução à vista. O impacto no dia a dia dos cidadãos tem gerado frustração e insatisfação. O problema habitacional tem chamado a atenção de organismos internacionais e exige uma resposta coordenada e eficaz.

A crise afeta diferentes grupos sociais, sendo especialmente grave para os jovens, que encontram fortes dificuldades para adquirir ou arrendar casa. Medidas recentes aprovadas pelo governo, como o Programa Mais Habitação, não conseguiram, por ora, aliviar a pressão, já que os salários baixos e o contínuo aumento dos preços mantêm a habitação fora do alcance de muitos.

Em comparação com outros países europeus, Portugal destaca-se pela negativa. Segundo o Observatório da Sociedade Portuguesa, mais de um terço das famílias gasta mais de 30% do seu rendimento com habitação, uma percentagem acima da média europeia. O Eurostat coloca Portugal no topo das maiores subidas dos preços de habitação, junto de países como a Croácia e a Lituânia. Lisboa, por exemplo, foi considerada a cidade mais cara para arrendar na Europa, com um T1 a custar em média 2 500 euros por mês.

A crise habitacional em Portugal é estrutural e alimentada por vários fatores já muito debatidos, e na raiz do problema está a falta de oferta acessível para o volume de procura existente.

Pode a intermediação de crédito desempenhar um papel relevante no alívio das famílias e em particular dos jovens no acesso à habitação? Acredito que sim, uma vez que poderá ajudar as famílias a obterem condições mais favoráveis na hora de adquirir uma casa. A educação financeira promovida pelos intermediários de crédito é crucial para capacitar os consumidores na gestão dos seus recursos, evitando o endividamento excessivo.

Além disso, os intermediários podem negociar taxas de juros mais baixas e condições de crédito mais vantajosas junto dos bancos. Naturalmente, são necessárias políticas públicas que aumentem a oferta de habitação, como desenvolver parcerias público-privadas para construção de habitações a preços controlados, criar unidades de habitação inclusivas em novos conjuntos habitacionais, renovar e colocar no mercado de arrendamento o parque habitacional do Estado, e repensar o imposto de mais valias para proprietários mais velhos que vivam em casas sobredimensionadas para o tamanho do seu agregado familiar.

A combinação da ação dos intermediários de crédito com  políticas públicas pode fazer uma diferença significativa, permitindo promover uma abordagem conjunta que amplie o acesso à habitação e a melhores condições financeiras para as famílias e jovens que queiram adquirir casa.

Se nada se alterar, o cenário poderá agravar-se. A desigualdade social tenderá a aumentar, com uma disparidade crescente entre aqueles que podem e os que não podem aceder a uma habitação digna. Jovens qualificados, incapazes de adquirir casa ou de pagar rendas acessíveis, podem optar por emigrar em busca de melhores condições de vida. Outros, diante da instabilidade, acabam por adiar ou abdicar de projetos de vida, como formar família ou investir na sua educação.

Além disso, o envelhecimento da população poderá agravar-se, pois, com os jovens a emigrar e os que permanecem sem condições de formar família, a dinâmica demográfica do país ficará comprometida. Isso, por sua vez, limitará o crescimento económico, uma vez que as famílias sobrecarregadas pelos custos de habitação têm menos capacidade de consumir outros bens e serviços, o que afeta o consumo interno.

A 28 de setembro, a plataforma “Casa para Viver” organizou uma manifestação em Lisboa para reivindicar o direito à habitação. A iniciativa trouxe propostas concretas, como a regulação das rendas, a proibição de despejos sem alternativas dignas, a revisão das licenças de exploração turística e a eliminação de incentivos fiscais para o imobiliário de luxo. Essas propostas refletem a necessidade urgente de um esforço conjunto entre políticas públicas robustas, que aumentem a oferta de habitação e uma intermediação de crédito eficiente, que permita às famílias acederem ao crédito de forma segura e informada.