Quando estas palavras foram escritas ainda não se sabia o resultado das eleições americanas. Independentemente do desfecho, estas eleições não podem ser consideradas umas eleições normais.
O que está em causa não é uma simples escolha democrática entre candidatos. Mas o próprio devir das relações internacionais nos próximos tempos e talvez a entrada numa nova etapa da relação dos Estados Unidos com o Resto do Mundo.
Logo à partida, não me parece normal o modo como o partido democrático pareceu, em todo o processo eleitoral, ser mais arrastado pela evolução da situação do que por um projeto refletido de gestão interna e de relacionamento internacional.
Também o comportamento do partido republicano, liderado por Trump, pareceu ser mais um projeto de subversão completa do sistema político americano, tentando afirmar uma posição fortemente nacionalista e tendencialmente isolacionista, que remete para a situação anterior à segunda guerra mundial.
As duas candidaturas, no confronto que tiveram para ganhar o eleitorado, também não se preocuparam, em explicitar os seus projetos e propostas, nem as diferenças que os separavam, antes explorando à exaustão as características pessoais dos candidatos.
Tudo isto, não pode deixar de ser considerado muito preocupante para o “Resto do Mundo”, quando se vive uma época de elevada instabilidade económica, política, institucional e, também, de confronto militar que poderá conduzir a uma crise geral de grandes dimensões. A este propósito não podemos deixar de nos preocupar seriamente com o modo como as instituições internacionais e o próprio Secretário-Geral das Nações Unidas têm sido sucessivamente desprestigiados e humilhados, nas suas tentativas frágeis de restabelecer plataformas de diálogo e de entendimento.
Num momento em que o mundo erigido após a Segunda Guerra Mundial – e que conduziu ao período mais longo de crescimento económico, de melhoria de condições de vida e de cooperação internacional, da História da Humanidade – parece estar a desmoronar-se, esperar-se-ia que a Nação-líder do chamado mundo ocidental, pudesse constituir uma referência sólida e estável para a procura de novas soluções.
Pelo contrário, a imagem que a América transmite ao mundo é a de uma potência que aposta, igualmente, na destruição do edifício anterior e na construção de um novo sistema em que as relações de respeito mútuo e de cooperação internacional sejam substituídas por relações simples de poder e de retorno à lei do mais forte.
Qualquer que seja o resultado das eleições americanas, a potência Europa tem pela frente um desafio notável – o de reforçar a sua identidade, a sua posição no mundo e de dar resposta às suas fragilidades e vulnerabilidades. Um desafio que foi colocado de forma nua e crua pelo recente Relatório Draghi.