Este não é mais um texto niilista sobre o modelo da maior cimeira mundial do clima. Contudo, apesar da veia naturalmente otimista como é de costume na minha nacionalidade, alguns alertas são incontornáveis quando se analisa os resultados – ou a falta deles – das negociações que tiveram lugar no Azerbaijão este mês.
Seria ilusão esperar que todos os anos a Conferência das Partes (COP) entregasse planos de ação detalhados e decisões consensuais entre os países, sobretudo com as grandes diferenças vivenciadas pelas regiões do mundo. Desde a 1ª COP, em 1995, em Berlim, e até à 29ª edição, realizada este ano em Baku, diversos foram os desafios geopolíticos e económicos enfrentados pela humanidade, e a maior cimeira sobre alterações climáticas não sairia imune ao contexto macro.
Era esperado que nem todas as COP fossem o que foi, por exemplo, a COP3 (Protocolo de Quioto) ou a emblemática COP21 (Acordo de Paris). É natural que existam anos mais produtivos do que outros, e avanços de natureza diferente ao longo dos anos, a depender dos vários temas que são priorizados na agenda e do contexto sociopolítico e económico.
Aceitar e compreender esta realidade não significa, contudo, que devemos ficar inertes ao facto de que, desde 1995, os avanços tímidos têm superado as grandes e assertivas decisões que precisávamos. Não podemos nos dar ao luxo dessa inércia diante do cenário enunciado pela ciência e que, infelizmente, este ano coroou o descompasso entre a urgência climática e a resposta das COP.
Mas, lamúrias à parte, ao final dos 11 dias de cimeira em Baku, o que sobrou efetivamente? Dentre tópicos em uma agenda complexa e pouco organizada, vamos focar em financiamento, adaptação, mitigação e justiça climática.
Comecemos pelo tema do financiamento, protagonista enunciado da COP29. Não obstante o aporte e implementação dos fundos climáticos, a grande expectativa da cimeira era com relação ao “Novo Objetivo Quantificado Coletivo”. Trata-se da atualização do objetivo global de financiamento climático para os países ainda em desenvolvimento, estabelecido originalmente no Acordo de Paris e que partiu de um valor mínimo de 100 mil milhões de dólares por ano, até 2025.
Este ano, na COP29, era esperada uma nova meta financeira para apoiar os países em desenvolvimento nas suas ações climáticas, que foi decidida no último momento, em 300 mil milhões de dólares anuais até 2035.
Em maio deste ano, a OCDE publicou um relatório onde constatou as estimativas e projeções existentes que sugeriam que, até 2030, a média das necessidades anuais de financiamento climático nos países em desenvolvimento poderão variar entre 550 e 2500 mil milhões de dólares. Outra estimativa, publicada também este ano pelo International Development Association, do World Bank Group, concluiu que a despesa média anual estimada necessária é de 2,4 triliões de dólares por ano para os países em desenvolvimento, entre 2023 e 2030.
É de se ressaltar que a decisão final da COP29 inclui pedido para os países tentarem garantir os esforços para aumentar o financiamento para o montante de 1,3 triliões de dólares por ano até 2035. Contudo, não podemos nos distrair: o número efetivamente atribuído para o “Novo Objetivo Quantificado Coletivo” é 300 biliões e, não obstante, ser o triplo da origem no Acordo de Paris, está bem distante do necessário.
Com relação à adaptação climática, o texto que prevaleceu foi genérico e pouco conclusivo. A linguagem em torno de “meios de implementação” foi suavizada, sendo substituída por “facilitadores de implementação”, o que reflete mitigar a importância e responsabilidade de países desenvolvidos com relação aos esforços financeiros, desenvolvimento e transferência de tecnologia, construção de capacidade técnica, etc.
No que diz respeito aos outros elementos de adaptação, nomeadamente o fundo de adaptação, o relatório do comité de adaptação e a revisão do progresso, eficácia e desempenho do comité de adaptação foram todos postergados para Bona, no próximo ano, que é a conferência da UNFCCC, que antecede a COP.
Em termos de mitigação climática, o principal item da agenda foi o Programa de Trabalho de Mitigação (Mitigation Work Programme – MWP) e a operacionalização do balanço global (GST, lançado na COP28). Com alguns países assumindo posições firmes e inflexíveis, sobretudo em relação às métricas para garantir a efetividade do GST. Países com predominância de combustíveis fósseis em sua economia mantiveram-se contrários ao estabelecimento destas metas, sendo que o texto final foi genérico, com muitos itens adiados para o próximo ano e sem qualquer menção ao phase down dos combustíveis fósseis.
Sobre a transição justa, a expectativa era de ver consolidado o Programa de Trabalho de Transição Justa, que visa garantir que os objetivos do Acordo de Paris sejam alcançados de forma justa e equitativa. A expectativa, entretanto, restou frustrada já na primeira semana, diante do não consenso entre as partes sobre o rascunho de decisão que serviria de base para as negociações na segunda semana da cimeira. Ao final, propostas concretas como a criação de um comitê que estudasse resultados concretos para esse programa de trabalho, e outras, foram adiadas para a próxima COP, em Belém, no Brasil.
Por último, e para dar nota ao ponto positivo, apesar de controverso: com relação à regulamentação do artigo 6º do Acordo de Paris (itens 2 e 4) houve logo nos primeiros dias acordo quanto às normas para um mercado de carbono centralizado no âmbito da ONU (mecanismo do artigo 6.4) e o funcionamento dos mercados de carbono, tornando plenamente operacionais o comércio entre países e um mecanismo de créditos de carbono. Ficou acordado ainda a garantia de que a integridade ambiental será assegurada antecipadamente através de análises técnicas em um processo transparente.
Após muitos dias, documentos em variadas versões, noticias das negociações e os avisos da ciência, percebe-se a frustração chegar. Não há tempo, contudo, para que ela se instale e nos distraia do caminho que a União Europeia tem liderado: redução das emissões líquidas de gases com efeito de estufa em, pelo menos, 55% até 2030, em relação aos níveis de 1990, e ser o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050.