As manifestações populares moçambicanas ocorridas depois da divulgação provisória dos resultados eleitorais de 2024, atribuindo a vitória a Daniel Chapo (FRELIMO) e a derrota a Venâncio Mondlane (Podemos), obriga-nos a uma reflexão sobre o poder efectivo das manifestações populares em Moçambique e noutros países da região da SADC. Serão as manifestações eventos susceptíveis de gerar uma mudança de poder e das práticas políticas enraizadas?
O sucesso político das manifestações populares em Moçambique poderá gerar um efeito de contágio para outras realidades políticas e, por isso, nenhum governo da região da SADC poderá considerar despiciente o resultado do processo político moçambicano. O que acaba por pressionar, internamente, o comportamento das autoridades governamentais moçambicanas, sobretudo da FRELIMO, que tem afinidade política com alguns partidos que ainda estão no poder na África do Sul, Angola e Namíbia, por exemplo.
Qualquer concessão por parte do governo da FRELIMO alimentará uma interpretação de fragilidade dos regimes políticos da região da SADC, podendo, deste modo, gerar um input aos movimentos de contestação. Não estando apenas em jogo o futuro da FRELIMO, mas também dos seus parceiros regionais.
Essa perspectiva de contágio político na região da SADC começa a ter um eco na análise e na opinião nas redes sociais. No entanto, este contágio deverá ser objecto de uma interpretação bastante cautelosa porque uma solução político-institucional, que poderá passar, nomeadamente, pela inclusão do derrotado no sistema político moçambicano, através da sua participação num governo de unidade nacional, poderá, na prática, representar uma desilusão política e o esvaziamento da agenda política de protestos políticos. Ou seja, o reforço dos regimes da região e a vitória da sua agenda de preservação de poder.
Insistir numa onda de protestos e sem uma agenda política objectiva poderá gerar uma crítica externa e desgastante da imagem política de Venâncio Mondlane, com o risco de perder o controlo da dinâmica de protesto e gerar uma crítica interna dos excessos. É, assim, importante apresentar uma agenda de transformação política radical que servirá efectivamente o devir moçambicano no curto e longo prazo.
Em suma, poderemos estar na presença de uma sucessão político-eleitoral, provocada por uma onda de protestos, mas sem a transformação política e do modus operandi dos regimes na região. Novos actores políticos e novas legitimidades com velhas práticas.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.