A Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) considera que a proposta do Movimento Referendo pela Habitação (MRH) para a realização de um referendo sobre o alojamento local em Lisboa “é irresponsável, desnecessária e ilegal”. Ao Jornal Económico (JE), o presidente da ALEP, Eduardo Miranda, respeita a iniciativa, mas defende que a mesma “não resolve nada da habitação e destrói muito da economia e emprego na cidade”.
“Acabar com metade da capacidade turística da cidade colocaria em causa mais de 40 mil postos de trabalho, uma vez que, só em Lisboa, os gastos do turismo geram 100 mil empregos diretos e indiretos. Sem as dormidas em Alojamento Local, a Câmara Municipal de Lisboa perde não só 38 milhões de euros de receitas só na Taxa Turística, mas também a capacidade para receber eventos como a Web Summit“, sublinha.
A Assembleia Municipal de Lisboa aprovou remeter ao Tribunal Constitucional (TC) a proposta do MRH com o objetivo de fazer cessar a atividade e novas licenças em prédios de habitação na capital, colocando num eventual referendo duas questões: concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local no sentido de a Câmara Municipal de Lisboa, no prazo de 180 dias, ordenar o cancelamento dos alojamentos locais registados em imóveis destinados a habitação? Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local para que deixem de ser permitidos alojamentos locais em imóveis destinados a habitação?
“O Alojamento Local já está regulado em Lisboa desde 2018 e os registos até diminuíram. Além disso, os novos registos estão todos suspensos em toda a cidade de Lisboa e está em curso a elaboração do novo regulamento municipal, que, à luz da nova lei, tem mais poderes para gerir em pleno o Alojamento Local na cidade”, explica o presidente da ALEP.
Eduardo Miranda considera que os responsáveis por esta iniciativa escolheram o caminho errado, talvez por “alguma ingenuidade e manipulação de alguns partidos” para aproveitamento da sua agenda política das eleições autárquicas. Como tal, acredita que o Tribunal Constitucional não irá aprovar uma proposta de referendo que não tem qualquer base legal e que, no entender da associação, é inconstitucional.
“De acordo com a nova lei, a atividade de Alojamento Local não é incompatível com o uso habitacional ou outro qualquer, tendo ficado totalmente resolvida a dúvida criada pelo anterior acórdão do Supremo Tribunal”, afirma, relembrando que, em Lisboa, sempre foi obrigatório, pelo PDM [Plano Diretor Municipal], ter uso habitacional para registar um Alojamento Local. “Por isso, a câmara cumpriu exatamente o que dizia a lei ao autorizar os registos existentes”, realça Eduardo Miranda.
Quem também mostra reticências sobre uma aprovação do referendo por parte do TC é Luís Couto, advogado e sócio da SPCB Legal. Em declarações ao JE, o advogado começa por analisar a legalidade das duas questões do MRH, salientando que o direito de propriedade tem consagração constitucional no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa e que o artigo 1305º do Código Civil, concretizando o sobredito preceito constitucional, estabelece que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
Por outro lado, explica que o exercício da atividade de prestação de serviços de Alojamento Local está contido no direito legal de fruir o imóvel, direito que só pode ser comprimido por via legislativa. “Não é assim possível limitar, por via regulamentar, a extensão do direito de propriedade e, muito menos, revogar licenciamento já concedido, o que poria em causa o direito constitucional à propriedade privada e o princípio constitucional de proteção da confiança”, refere Luís Couto.
O advogado relembra que as competências das autarquias locais, em matéria de regulamentação do AL, estão expressas no Decreto-Lei 128/2014, de 29 de agosto (que institui o regime do AL), e subsumem-se à possibilidade de criar um regulamento de AL, no âmbito do qual podem ser estabelecidas áreas de contenção ou de crescimento sustentável, onde podem ser estabelecidas limitações à emissão de licenciamento dentro dos limites permitidos por esse Decreto de Lei.
“As questões a referendo extravasam largamente essas competências”, salienta, acrescentando que a regulação da atividade de AL encontra-se estabelecida num ato legislativo do Governo que se impõe às autarquias locais, sendo esse diploma que define as modalidades de AL, estabelecendo os requisitos e limitações de licenciamento. “Não pode, por isso, uma decisão emergente de um referendo municipal alterar esse diploma legal, porque essa possibilidade é afastada, desde logo, pela Lei Orgânica 4/2000, de 24 de agosto”, explica o advogado.
Face a isto, o advogado defende que, se o processo de referendo local em causa for apresentado ao Tribunal Constitucional para efeitos de controlo, o TC “deverá determinar a sua ilegalidade, por versar sobre matéria que consta de norma legal imperativa que se impõe às autarquias locais, e a sua inconstitucionalidade por pôr em causa, por via referendária, a extensão do direito constitucional de propriedade privada e, bem assim, o princípio, também constitucional, de proteção da confiança”.
Processo já foi entregue no Tribunal Constitucional
A Assembleia Municipal de Lisboa já entregou no Tribunal Constitucional o processo para a realização de um referendo na capital sobre o alojamento local, “para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e legalidade”. A informação foi veiculada pelo órgão autárquico.
Em comunicado, a mesa da Assembleia Municipal de Lisboa (AML) refere que enviou, na segunda-feira, para o Tribunal Constitucional a deliberação aprovada, “para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade”.
A proposta para um referendo ao alojamento local em Lisboa foi lançada em dezembro de 2022 e, na documentação entregue na AML, constava “um total de 6.550 cidadãos eleitores recenseados no município”, segundo o relatório da comissão eventual criada para apreciar a iniciativa popular de referendo local.
Já depois da aprovação da proposta, o grupo do Partido Social Democrata (PSD) na AML entregou “um pedido de nulidade da votação” para a realização do referendo sobre o alojamento local.
Com base na “verificação administrativa” da secretaria-geral do Ministério da Administração Interna, o PSD justificou o pedido de nulidade com o facto de as discrepâncias encontradas reduzirem “o número de assinaturas válidas para 4.863, abaixo do mínimo legal obrigatório de 5.000”.
No último Conselho de Ministros, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, garantiu que o Governo “não teme” um referendo ao alojamento local e respeita a deliberação, sublinhando que a decisão deve ser “de base local”, salientando que o Governo acredita na “livre iniciativa privada” de quem investiu na atividade, lembrando terem sido revogadas uma série de “limitações, proibições, tributações e expropriações legais aos títulos de alojamento local”.
“Não tememos a democracia, muito menos a democracia local”, acrescentou, insistindo que o Governo considera que este tipo de decisões deve ser tomadas ao nível local “com proporcionalidade e respeito entre habitantes e titulares de licenças de alojamento local”, referiu António Leitão Amaro.
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