Quem diria que o homem do camuflado, que comandou a “operação seringa” durante a pandemia, viria a causar tanta agitação no panorama político nacional? Henrique Gouveia e Melo, o almirante que trocou os submarinos pelos centros de vacinação, emerge agora como potencial candidato a Belém, para espanto de alguns e horror de outros.
Para muitos portugueses, Gouveia e Melo permanece uma figura enigmática. Conhecemo-lo das imagens televisivas, sempre fardado, num tempo em que precisávamos desesperadamente de alguém que nos dissesse que tudo ia ficar bem – e de preferência que o fizesse com cara de poucos amigos e eficiência militar.
Surgem vozes a alertar-nos para o que consideram ser o perigo de ter um militar em Belém. Como se o facto de ter servido nas Forças Armadas transformasse automaticamente alguém num potencial ditador.
O argumento de que “Ramalho Eanes foi diferente porque era outra época” soa particular. Como se a democracia tivesse um manual de instruções que diz: “Em caso de revolução, pode usar-se um militar. Nos outros casos, favor abster-se.”
Será que se teme mesmo que Gouveia e Melo, caso eleito, apareça em Belém montado num tanque? Ou que transforme o palácio numa base militar?
O homem que coordenou a campanha de vacinação, demonstrando capacidade de organização e liderança, é agora visto por alguns como uma ameaça à democracia.
A questão mais absurda de todas é a tentativa de criar uma espécie de “lista de profissões proibidas” para a presidência. Num país que se orgulha de ser uma democracia madura, discute-se se alguém pode ou não candidatar-se com base na sua anterior profissão. Talvez devêssemos fazer uma lista: militares não podem, professores talvez, engenheiros depende do dia…
No final, resta-nos a pergunta mais óbvia: numa democracia, não deveria ser o povo a decidir? Ou será que os portugueses precisam de uma comissão de sábios para lhes dizer em quem podem votar?
Gouveia e Melo poderá ser ou não um bom presidente – isso só o tempo e, principalmente, o voto popular poderão determinar. Mas uma coisa é certa: numa democracia que se preze, o debate deveria centrar-se nas ideias e competências dos candidatos, não no seu anterior código de vestuário.
Enquanto alguns continuam preocupados com fantasmas do passado, o país real aguarda por soluções para os seus problemas presentes.