O Natal conseguirá resistir a uma época de relacionamentos fluídos, enfeites minimalistas, doces por encomenda, banalidade publicitária e aceleração do tempo?
A vida é feita de ciclos e o Natal é uma das maiores expressões da necessidade de compreender e respeitar as fases distintas do ciclo da natureza. Alain de Benoist expressou esta ideia de forma sublime no seu livro “Festejar o Natal: Lendas e Tradições” (1997, Hugin):
«Para “ajudar” o Sol a regressar, a triunfar do Inverno, os homens acendem fogos e decoram os seus lares com árvores e folhagens sempre verdes à imagem do que nunca morre. (O verde é a “cor da esperança”). Nascimento de Cristo, (re)nascimento do Sol: o Natal é também a festa do que nunca morre, do que regressa sempre. E, nesse sentido, é a própria imagem da eternidade. (…) O dia voltará sempre, mas nunca será o mesmo dia. É tudo isso que se lê, na manhã de Natal, nos olhos das crianças.»
As palavras do autor transmitem uma atitude esperançosa quanto à continuidade desta festividade, como parte da ordem da natureza, como uma passagem incontornável. No fundo, como um momento obrigatório de reflexão e de preparação para entrar num novo dia, num novo renascimento. Com essa ideia em vista, existem razões para confiar na força simbólica e espiritual do Natal como momento fundamental que não deixa ninguém indiferente.
No entanto, as tradições são moldadas paulatinamente ao jeito das novas gerações, dos novos hábitos e até ao jeito de novas culturas hegemónicas na sociedade, ficando perigosamente à mercê de quem as quiser enfraquecer, ou de quem não as souber renovar e preservar. E, nesse sentido, existem alguns sinais alarmantes que nos falam do estado de saúde da comunidade e da sua maior ou menor capacidade de afirmação de um projecto próprio.
Desde logo, em matéria de saberes transmitidos de geração em geração, é notório um desinteresse favorecido pela pressa do dia-a-dia e pelo comodismo da aquisição imediata de tudo aquilo de que precisamos. A sociedade que compra tudo feito e que não sossega uns minutos para aprender e replicar as práticas dos mais velhos, acaba por perder o rasto aos sabores e práticas que recheavam as memórias de outrora. Aliás, muitas pessoas não chegam a construir grandes memórias, pois a ternura vagarosa dessas aprendizagens foi sufocada por estímulos incessantes dos ecrãs, ruído e consumo. Coloca-se muito pouca dedicação e aptidão pessoal nos pequenos afazeres que um encontro de Natal implica. Existem cada vez menos compassos de espera, ou expectativas de sorrisos na cara dos familiares, ou sabores inimitáveis à mesa. Tudo se reduz ao tempo de espera de uma encomenda de qualidade mediana em contexto de produção massificada e impessoal, naturalmente focada em maximizar margens de lucro.
Em segundo lugar, a publicidade, com todo o seu poder de influência moral na sociedade, tem veiculado algumas mensagens ideológicas que representam o homem ocidental como alguém que precisa de ser admoestado e vergado por lições de tolerância e expurgado dos pecados. Essas mensagens – disfarçadas de intenções fraternas – insistem em alimentar antagonismos em que o estrangeiro é sempre apresentado como parte imaculada e virtuosa da relação social, enquanto o nativo europeu tem uma personalidade intolerante, negligente ou irascível. É especialmente injurioso veicular tais mensagens, quando são os europeus que se vêem forçados a vivenciar as festividades desta época numa atmosfera altamente securitária, no decurso de sérias ameaças e de ataques perpetrados por islamistas, como os que têm lugar na Alemanha.
Ainda no domínio da publicidade, vislumbra-se muitas vezes o perigo da romantização da solidão e do hiperindividualismo. A festa da família tem vindo a transformar-se na festa do conforto individual, das sensações subjectivas, dos encontros remediados entre anónimos, como se na vida real fosse assim tão fácil encontrar almas caridosas disponíveis para improvisar acolhimento e companhia fora do círculo mais próximo de amigos e familiares. As casas sem crianças, as gerações distantes entre si, os divórcios e a rotina unipessoal têm um preço e infligem tristeza nestes momentos. Passar a ideia de que a desagregação familiar é algo natural e indolor é mais um dos sinais de enfraquecimento civilizacional dos europeus que desistiram de defender aquilo que garante a robustez, coesão e continuidade das suas comunidades. A longo prazo, este é um ambiente propício a formar adultos hedonistas que se mantêm eternas crianças e que nunca se habituam à necessidade de partilhar, de sacrificar e de sair de si mesmos.
Em terceiro lugar, no campo estético, existe a perigosa tendência do minimalismo e da abolição dos símbolos tradicionais que esvazia a festividade de significado e de valor. Essa tendência vai fazendo o seu caminho na publicidade, no cinema, na decoração dos espaços públicos, na comunicação institucional e empresarial, popularizando as figuras geométricas abstractas que não remetem para nenhuma crença nem costume próprio da tradição ocidental. Pelo contrário, abraçam a neutralidade vazia para transformar o Natal numa rotineira pausa no calendário laboral ou lectivo, desligado de qualquer significado místico e familiar.
Apesar de todos estes ventos desfavoráveis à chama da autêntica tradição do Natal, é verdade que o próprio significado do Natal radica na vontade e esforço de renascimento face às intempéries sazonais. É da noite mais negra que nascem os votos de grandes colheitas, fecundidade, calor e prosperidade. É possível que esta seja uma fase civilizacional fundamental a essa reflexão e às manifestações de vontade por um futuro mais afirmativo do ponto de vista moral e cultural. Poderá ser uma impressão subjectiva, mas não deixo de assinalar que as iluminações de Natal que ornamentam as nossas cidades parecem ter recebido um novo ímpeto este ano, em quantidade e em cores. Estarei a projectar algum desejo de renascimento ou existirá de facto a eclodir uma vontade de sarar a nossa sociedade através da beleza que aquece a alma? Só o tempo revelará se é um mero acaso ou se é expressão de algo mais profundo.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.