Terminamos o ano e já sabemos que é o mais quente de que há registo. O Verão já tinha sido o mais quente. Agora, confirma-se que o ano registou 1,5 Celsius acima da média. Como as emissões de gases com efeito de estufa continuam a crescer, para o ano, o Verão, o Inverno, as estações que restarem serão ainda mais quentes. E, de forma tão igualmente previsível, também não haverá motivos racionais para não esperar em 2025 chuvas torrenciais diluviais como as que este ano se viveram tragicamente em Espanha. Ou os eventos climáticos extremos que se vão sucedendo com frequência crescente pelo planeta, e com consequências humanas agravadas no Sul global.

Entretanto, a Cimeira do Clima, COP 29, saldou-se pela percepção de uma tremenda dissonância de escala entre o que é acordado e o que é necessário, para desespero das nações mais ameaçadas por riscos existenciais como os Pequenos Estados insulares. As outras cimeiras das Nações Unidas, a da Biodiversidade e a da Desertificação, recentemente realizadas, não foram mais animadoras. Em todas, nota-se que o desentendimento quanto a compromissos se agrava entre o Norte Global e os países do Sul Global.

Por cá, esta semana, realizou-se, na Assembleia da República, um conjunto de palestras e mesas redondas sobre o tema “Pensar nas gerações futuras: agir no presente. Que futuros possíveis para além do crescimento?”, envolvendo a Zero, a Oikos, a Rede para o Decrescimento. Do programa, constavam perguntas como esta “Decrescimento no Norte global para haver desenvolvimento no Sul global?” e a apresentação do Projeto de Lei “Gerações Futuras” e da iniciativa da UE para as Gerações Futuras.

Os direitos das gerações futuras têm de ser consagrados apesar de os seus detentores ainda não terem nascido. É um pequeno passo, mas imprescindível, começarmos a relacionar-nos com o futuro como uma realidade a vir que nos exige deveres. Não há existência responsável no presente sem esse compromisso com o futuro. As gerações precedentes devem às gerações subsequentes não lhes entregar um planeta pior do que encontraram e também não lhes legar um mundo social com mais desigualdades do que encontraram. Este é o mínimo exigível. Naturalmente, desejável era deixar aos vindouros um mundo melhor.

Além da proposta de designação de um comissário europeu para as Gerações Futuras, esta Iniciativa da UE defende a “Avaliação de Impacto sobre as Gerações Futuras”, um mecanismo no trabalho legislativo que obriga a considerar o interesse do futuro. Com efeito, em vez de projectar o presente para o futuro, a inflexão a fazer é que o futuro passe a ser parte do nosso presente. Um presente menos autocentrado não imagina o futuro como a versão desenvolvida do presente, aquele o progresso deste. Não nos imagina lá, perpétuos. Imagina sim que o futuro, como o passado, deve encontrar um bom regime de convívio com o presente, um ecossistema de tempos e não uma cadeia temporal.

Uma sustentabilidade que não se ponha a pergunta sobre o que é que procura manter sustentável não serve. Na verdade, se for para ir mantendo sine die o mesmo regime que levamos, não só não serve como é prejudicial. Em vez de sustentabilidade deveríamos referir directamente uma economia assente no pressuposto da regeneração. Garantir a regeneração, abstermo-nos do que não seja regenerável. Princípio de acção que, custe o que custe ouvir aos paladinos da civilização, estava presente em muitas comunidades tribais. E assim evitam-se as ambivalências da sustentabilidade.

E do mesmo modo, urge perceber que a dependência do crescimento económico, a ideia de que a saúde económica se mede em crescimento numérico de rendimento, PIB, PIB/per capita, etc., é fundamentalmente uma estratégia para acomodar e, assim, ir mantendo sustentável um regime de desigualdade.

Há toda uma aprendizagem colectiva, de comunidades, de governos, de estruturas transnacionais, que urge iniciar, mas que não parece sair das palavras para os actos. O aumento económico disfarça o compromisso com a desigualdade. Torna-a tolerável. A sustentabilidade pode iludir a necessidade de uma transformação qualitativa dos modos como existimos no mundo.

E haveria que olhar para as palavras com mais atenção. Não devemos desistir das virtuosas. Devemos é retirá-las de usos que parasitam o seu significado para se conferirem uma falsa legitimidade. Só num sentido paupérrimo, crescer significa aumentar. Na vida, crescer tem muito menos que ver com quantidades do que com a transformação qualitativa. Crescer é amadurecer, alcançar novos estádios de relacionamento connosco próprios, com os outros, com o mundo, quase sempre por saltos, ao longo de uma vida, como os nós de uma cana de bambu. Ironicamente, o que nos está a faltar, de forma gritante, é um desses saltos de crescimento, nas mentalidades e nas práticas que as materializam.

Confundimos crescimento com aumento numérico e, talvez não por acaso, com massa corporal, hormonas, carros que também parecem ter tomado hormonas, desde logo eléctricos topo de gama maciços.  E confundimos consciência ambiental com passar a trocar carros topo de gama eléctricos como trocávamos de carro antes. Os maus hábitos a manterem-se, até a agravar-se quando a obsolescência planeada não parece ter dificuldade em fazer o seu curso no campo florescente dos mercados “verdes”.

“Explorar futuros possíveis para além do crescimento” era o tema de uma das mesas-redondas do encontro na Assembleia da República. Imaginar futuros é uma urgência do presente. Aprendermos a decrescer é, verdadeiramente, darmos um salto de crescimento em direcção a consumos mais sóbrios, explorações mais regeneráveis, economias menos bélicas. Ou damos coletivamente o salto ou não. Fica a reflexão. Para o ano vai fazer mais calor, certamente.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.